Na competição, para além de tudo, não se julga, porém, apenas a arte do cocktail ou a questão cénica (“há mil maneira de bater o shaker”, lembra Paulo). Julga-se tudo: afinal, “estão em avaliação contínua” e “o serviço é fundamental”.
Sendo certo que o mundo dos cocktails voltou a estar na moda, muito graças à explosão dos gins, aqui, porém, fala-se mais do “regresso ao serviço de alta qualidade, ao conhecimento profundo das bebidas e dos ingredientes, da relação com o cliente”. “Promovemos alguma formalidade”, refere-nos Paulo, numa referência ao ambiente clássico do cocktail bar em que os hotéis cinco estrelas são mestres.
É desse ambiente que vem uma verdadeira estrela lusa desta arte, Pedro Paulo, que preside ao júri e que em 2013 arrebatou um prémio de melhor barman do Reino Unido. Tendo feito carreira no Algarve, decidiu apostar há cinco anos em Londres, meca da arte do bar e dos coktails. Bingo: tem somado distinções e está no luxuoso The Coburg Bar, do lendário hotel The Connaught. Sendo certo que a cena londrina não tem comparação (nas listas dos melhores bares do mundo não é raro que quase metade seja na capital britânica), este profissional opina que “há gente tão boa em Portugal como em Londres”, o mercado é que é diferente. “A diferença é mais cultural” e, reforça, “de dinheiro”. No seu bar, um cocktail de 16 a 20 libras, ou 16 champanhes diferentes a copo, não são incomuns, sendo que aqui o jogo passa por uma qualidade superlativa em cada detalhe e por uma aposta na personalização. Mas Pedro Paulo gosta de surpreender, seja com ingredientes à partida “esquisitos” — “uso muito folha de ouro” —, seja com a “teatralização” — e aqui nada como o gelo seco para tornar a bebida um quase vulcão fumarento. “A cozinha abriu a porta às experiências moleculares e o bar seguiu essa tendência”, lembra, comentando que no mercado inglês faz-se experiências com “quase tudo” e que não há muito tempo um bar foi “fechado temporariamente por fazer cocktails com barbatana de tubarão…”. Pedro Paulo não vai tão longe mas preocupa-se em prolongar ao máximo a experiência do cocktail. “Uma das minhas imagens de marca é passar casca de limão até pela pega do copo e assim os óleos essenciais estendem a sensação da bebida. A experiência é prolongada até ao máximo possível”. Entre tendências e modismos, o profissional luso realça o uso crescente de produtos cada vez mais orgânicos mas aposta também noutra tendência para o futuro que pode surpreender alguns: “Acho que as bebidas vão começar a perder álcool, vamos começar a usar líquidos com uma menor graduação alcoólica”.
Beber o teatro
Os candidatos a Barman do Ano já pousaram todo o manancial de ferramentas, arrumaram copos e boiões, deixaram os seus ananases dos Açores e cerejas do Fundão, vão sonhando com os prémios (o vencedor receberá uma viagem a Nova Orleães e entrará no mundial Tales of the Cocktail, o segundo e terceiro classificados vão a França para integrar o também conceituado Omnivore Bar Scene). Mas há um barman especial que continua imparável a meio da noite e durante a festa que reúne toda a gente da competição, até jornalistas sem jeito que se viram obrigados a tentar fazer cocktails à frente de toda a gente (não há melhor maneira de perceber que esta arte não é assim tão fácil…). Wilson Pires é o anfitrião e já tem o título por que todos almejam. Barman do hotel Conrad Algarve, venceu a competição em 2013 e ganhou uma exposição que não pára de surpreendê-lo e que o tem levado pelo mundo a participar e vencer outros torneios internacionais. Algarvio de 25 anos, Wilson tem uma abordagem verdadeiramente artística ao mundo dos cocktails. “Eu não crio um cocktail, crio um conceito”, explica. “Pego numa história, ou num poema, ou num pintor e dou sabor a isso.” Aqui no seu bar, os seus cocktails até levam muito acaso. É que o seu menu é um globo. Literalmente. O cliente chega e viaja: roda o globo e assim fica escolhido o ingrediente base. Sistema simples mas seguramente divertido e surpreendente. “Temos que ser nós também a tentar mostrar aos clientes que há mais para beber que uma cerveja, um gin ou um vinho”, diz-nos, defendendo também o uso crescente de produtos regionais e nacionais. “Temos tão bons produtos, podemos usar o nosso medronho, laranja, mel em vez de xarope de açúcar, amêndoa, o ananás dos açores, a ginjinha e o moscatel, etc., etc.”.
Para este “artista”, que se admite um “chef de líquidos” e que até faz cocktails com cogumelos, a grande tendência passa pelos “cocktails teatrais”. Já se inspirou até em Portugal e em fortes sentimentos. Na final do evento no passado apresentou a sua versão da Saudade, com ingredientes de todo o país e encenação lusa, incluindo um brandy português com infusão de Azeite Alentejano, água de mel, ginginha, vinho da Madeira seco, bitters de Porto e Essência de Lágrima. Sim, lágrima. “Fiz muitas experiências, até com água do mar”, admite. “Uma amiga minha até chorou”, diz. Por sinal, o seu Saudade é um dos cocktails nomeados para melhor do ano num outro evento à parte que celebra os bares e os barmen: o Lisbon Bar Show, também em 2.ª edição e que se realiza a 19 e 20 de Maio na Tapada da Ajuda em Lisboa. Apesar das lágrimas do cocktail, Wilson resume alegremente toda esta arte de bem receber e bem servir o cliente: “O nosso objectivo é fazer as pessoas felizes".