Fugas - restaurantes e bares

  • Kamilla Seidler
    Kamilla Seidler Miguel Manso
  • Na cozinha do Feitoria, em Lisboa
    Na cozinha do Feitoria, em Lisboa Miguel Manso
  • Cañihua, um dos pratos que confeccionou por ocasião da Rota das Estrelas
    Cañihua, um dos pratos que confeccionou por ocasião da Rota das Estrelas Paulo Barata

Há uma dinamarquesa loira atrás dos fogões em La Paz

Por Alexandra Prado Coelho

Kamilla Seidler chegou à Bolívia em 2013 para abrir um restaurante-escola. Não conhecia o país nem os seus produtos. Nem sabia que ali a água ferve a uma temperatura mais baixa. Hoje o Gustu é um sucesso. Kamilla veio a Portugal cozinhar na Rota das Estrelas no Feitoria, em Lisboa.

Se, de repente, começarmos a ouvir falar cada vez mais na gastronomia da Bolívia é quase certo que algures na história aparecerá uma jovem dinamarquesa de cabelos loiros, pele muito clara e voz calma: Kamilla Seidler, a “dinamarquesa dos Andes” como lhe chamou o diário espanhol El País. 

Quando Claus Meyer — chef, empresário, co-fundador do Noma (considerado o melhor restaurante do mundo na lista do World’s 50 Best) e, juntamente com René Redzepi, o grande responsável pela chamada Nova Cozinha Nórdica — desafiou Kamilla e o chef venezuelano Michelangelo Cestari a abrirem um restaurante num país da América do Sul, os dois não demoraram muito a aceitar. 

“Havia uma série de países no plano original, mas acabámos por escolher a Bolívia por vários factores, a biodiversidade, a segurança, o facto de ser o coração da América do Sul”, conta Kamilla à Fugas, durante uma passagem por Lisboa para participar, a convite do chef João Rodrigues, numa etapa da Rota das Estrelas no restaurante Feitoria no Hotel Altis Belém, Lisboa. 

E assim, em 2013, Kamilla, que se formou, entre outros, com o chef basco Andoni Aduriz do restaurante Mugaritz, fez as malas e partiu para a América do Sul — onde nunca tinha estado. “Não sabia muito”, confessa. “Mas sabia que todos os meus amigos que lá tinham ido naquelas viagens de mochila às costas depois de acabarmos a escola voltavam dizendo que a Bolívia era o país mais bonito que tinham conhecido, apesar de muito pobre.”
Tudo começou, portanto, “de forma louca e muito orgânica”. Para se falar do projecto do Gustu (assim se chama o restaurante, em La Paz, a capital boliviana) é preciso explicar primeiro que se trata de um restaurante-escola. A proposta de Claus Meyer era criar um projecto de desenvolvimento social ligado à comida e daí nasceu o Melting Pot Bolivia, que tem o seu centro no Gustu. 

“Quando chegámos já tinham sido escolhidos os primeiros alunos”, recorda Kamilla. “Foi chegar e começar a trabalhar como loucos desde o primeiro instante, a tentar conhecer um novo país, as pessoas, a mentalidade e definir o que íamos fazer.” Foi, literalmente, começar do zero, tentando perceber que produtos existiam na Bolívia e qual o potencial de cada um. “Portanto, vocês têm a selva, o planalto, produção de vinho, de licores, ok, temos uma base muito boa para um movimento gastronómico.” 

Ao mesmo tempo que Kamilla e Michelangelo descobriam esse mundo de novos produtos era preciso construir o restaurante, “que só tinha as primeiras paredes”. “Toda a gente participou, os estudantes carregavam tijolos… foi uma espécie de conto de fadas com muito trabalho duro.” 

Os dois chefs fizeram algumas viagens pelo país para começar a identificar os produtos. “Precisámos de nos sentar com as pessoas e perguntar ‘quais são as vossas tradições?’, ‘como é que comem isto habitualmente?’, ‘ah, isto serve para fazer sumo’.” Às vezes, a pergunta de Kamilla era apenas se um determinado produto era uma fruta ou um vegetal. E as vendedoras do mercado respondiam-lhe que era muito bom para os rins. Sim, mas o que é?, insistia a dinamarquesa. Hoje, o Gustu já tem perto de mil produtos na sua lista de compras e mesmo assim não será “nem dez por cento” do que existe no país.

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