Fugas - restaurantes e bares

  • Rui Gaudêncio
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Ensinar a cozinhar é ensinar a pensar

 

Aula 4: Carne

Alguma coisa está ao lume há já muito tempo quando iniciamos a aula. Hugo tinha avisado que este era o módulo em que, lá mais para o final, íamos pegar nos pratos e subir até ao andar de cima para, à volta de uma mesa, e com um copo de vinho, esclarecer dúvidas e explicar melhor algumas coisas. É para esse momento que está a guardar a carne estufada em cocote – a tal que já enche a cozinha de um cheiro tentador.

É dia de falar de carne, portanto. E em primeiro lugar temos os diferentes cortes (em versão portuguesa e brasileira) com as explicações de qual o mais indicado para que tipo de confecção. Depois, as temperaturas e pontos de cozedura. E, entretanto, uma conversa sobre a forma como a alimentação foi evoluindo, com Hugo a recuar até aos anos 1960 e à moda da rejeição da gordura e do culto do corpo – e de como isso se reflectiu também na produção de carne, que se tornou mais seca e menos saborosa.

A seguir veio a pleasure revenge – “menos ginásios, mais spas” – com a cozinha tecno-criativa. E, por fim, a constatação de que, em grande produção industrial, muitos alimentos perderam o sabor, o que fez com que hoje a moda se voltasse para a cozinha de terroir, para o biológico, etc. No meio da conversa, bifes na frigideira. “Quem quer bem passado, médio e mal?”.

Mas houve também tempo para praticar com as facas (e outros instrumentos para cortar e descascar) – não na carne mas em vegetais que foram para o forno com um pouco de natas por cima, numa versão mais leve das batatas dauphinoise. Fiquei com o alho francês, que tinha que ser cortado em palitos fininhos, mas houve quem lutasse com a curgete, com a cenoura ou com a batata. No final, sucesso. E, depois de Irene ter lembrado que esta era uma receita vegetariana, ninguém largou uma lasca de dedo no meio dos vegetais.

 

Aula 5: Doces e sobremesas

Esta foi – a avaliar pelo meu caderno cheio de apontamentos em todos os espaços livres – a aula com mais matéria. Aprendemos a fazer massa de choux – e a usar um saco de pasteleiro (o resultado foram pequenos bolos de massa, com queijo, porque não podíamos comer apenas doces).

E a cozinha transformou-se num minicampo de batalha com cremes de vários tipos (chiboust de limão, por exemplo, mistura de creme pasteleiro com merengue), massa para crepes, outra, areada, para as tartelettes, creme inglês, telhas crocantes (rapidamente colocadas no forno), ganache de chocolate para as tartelettes (e um cheiro cada vez melhor a invadir toda a cozinha), por entre explicações sobre pontos de açúcar e as minhas tentativas (em equipa com o meu colega João) de criar farófias de tamanhos e consistência que parecessem vagamente semelhantes.

Falámos de tipos de açúcar – da rapadura ao açúcar invertido – e de como os gelados “levam quase tanto açúcar como os doces conventuais”, e ainda de farinhas e glúten, de formas de bater as claras em castelo e do uso de varinhas ou de batedeiras eléctricas para maior ou melhor incorporação de ar.

No final, depois de uma deliciosa sopa de cenoura e das bolas choux com queijo, as colheres mergulharam nas taças, desfazendo as tão perfeitas farófias, e voando de creme em creme até à ganache de chocolate, que foi a doce despedida deste curso. Na última aula já todos falavam de tudo, trocavam-se impressões sobre os melhores sítios para fazer mergulho e – heresia – discutiram-se até dietas. À saída, de caderninhos arrumados e aventais entregues (se não fosse a Irene, que desarrumação seria naquela cozinha!), todos acharam que era um até breve – “Vemo-nos nos módulos avançados, em Janeiro?”.

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