Fugas - restaurantes e bares

  • Apanha de sal
    Apanha de sal Vasco Célio
  • Flor de Sal
    Flor de Sal Vasco Célio
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    Abrótea Vasco Célio
  • abrótea com
folhas de limoeiro, azeitonas
de sal e pau-roxo
    abrótea com folhas de limoeiro, azeitonas de sal e pau-roxo Vasco Célio
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    Pau Roxo Vasco Célio
  • O alho e as ervas á venda no mercado de Loulé
    O alho e as ervas á venda no mercado de Loulé Vasco Célio
  • ipico limoeiro do quintal das casas algarvias, neste caso o limoeiro da casa da Maria Manuel Valagão
    ipico limoeiro do quintal das casas algarvias, neste caso o limoeiro da casa da Maria Manuel Valagão Vasco Célio
  • Zona de Alte
    Zona de Alte Vasco Célio
  • Azeitonas de Sal
    Azeitonas de Sal Vasco Célio
  • Retrato dos autores
    Retrato dos autores Vasco Célio

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Num dia de Inverno, à descoberta das cozinhas do Sul

É verdade, confirma Bertílio. “Tenho um grande carinho pelo Algarve, que nem sempre é valorizado, e que para mim foi sempre uma fonte de inspiração.” Maria Manuel não sabia, mas Bertílio tem também raízes algarvias, o que foi apenas mais um sinal de que este projecto estava no caminho certo.

Faltava apenas um fotógrafo e Maria Manuel angustiava-se a pensar como é que iria convencer um fotógrafo a ir fazer um trabalho para o Algarve. Foi Bertílio quem lhe deu a solução: conhecia um excelente fotógrafo, que vivia no Algarve (e Maria Manuel rapidamente percebeu que já tinha visto muitas vezes o trabalho dele). Entrou em cena Vasco Célio, que também não hesitou em dizer que sim.

Todos aceitaram as premissas deste projecto: não havia dinheiro (cada um pagava as suas despesas) e durava o tempo que fosse necessário (acabou por durar quase quatro anos); era fundamental acompanhar as diferentes estações do ano; e nenhuma receita seria confeccionada e fotografada fora do Algarve. Em contrapartida, Maria Manuel propunha-lhes que eles fossem co-autores do livro.

Seguiram-se quatro anos desta aventura, com todos os sentidos abertos, num permanente encantamento. É Maria Manuel quem o descreve logo na introdução: “Finais de Setembro, caem as primeiras chuvas. Percorremos a Estrada Nacional 2, rumo ao sul. Já no Algarve, passamos no Ameixial e a bruma entreaberta permite antever o extraordinário cenário envolvente da serra do Caldeirão. […] Viajamos numa manhã enevoada e o cheiro quente da terra seca e das estevas dissolve-se no ar fresco e húmido, repleto dos aromas das ervas silvestres que aqui crescem. Estamos deslumbrados.”

“Percorri o território todo a observar as estações do ano, os produtos”, conta à Fugas. Tinha, no terreno, “informadores privilegiados”. Mas para os conquistar precisou também de tempo. “Ia conversar com as pessoas, tive que ser adoptada por elas, porque a comida é uma coisa muito íntima e eu ia estudar a comida familiar do quotidiano e não a comida de festa, aqueles pratos de que as pessoas se orgulham.”

Sabia que ia encontrar um Algarve de práticas alimentares transformadas. Escreve: “[…] a predominância de alimentos de origem animal impôs-se sobre a frugalidade mediterrânica ancestral.” Mas, ao mesmo tempo — e, sublinha, não quer dar uma nota pessimista — descobriu que muita coisa ainda se mantém e que alguma está a ser recuperada.

Veja-se o caso do pau-roxo, essa cenoura de nome cómico e cor roxa que permite criar belos efeitos num prato. Apesar das suas raízes algarvias, Bertílio não a conhecia. “Tenho alguns livros, sobretudo franceses, que falam de vegetais esquecidos, mas nunca tinha imaginado que existisse em Portugal e muito menos no Algarve.”

No final de uma das sessões fotográficas do Inverno, trouxe algumas dessas cenouras e mostrou à mãe. “Achei que lhe ia mostrar uma coisa nova e ela disse-me que fazia parte da alimentação lá de casa. Os meus avós eram pessoas humildes, que viviam na fronteira entre o litoral e a serra e onde hoje são os campos de golfe do Morgado de Quarteira era onde as pessoas antes faziam a agricultura de regadio. Os meus avós deslocavam-se aí nos carros de bestas para fazer essa agricultura de subsistência.”
Foram muitas histórias como esta que Maria Manuel foi recolhendo nas suas conversas. “Nunca pedi receitas. Era o ‘como faz?’. E as pessoas diziam ‘se tenho isto faço desta maneira, se não tenho faço da outra’. Procurei sempre pessoas que tivessem aprendido através da tradição oral.” Uma tradição que nas últimas décadas se foi perdendo pela “ruptura na transmissão do saber que antes se fazia na cozinha, à mesa, ligada à comida, ao ir apanhar as coisas, o ir plantar, sachar o alho, tudo tem a ver com a sua época”.

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