Fugas - restaurantes e bares

  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata

Continuação: página 3 de 4

Feitoria: João Rodrigues dá-nos a ver esta matéria que nos alimenta

Horas depois da conversa na cozinha estamos sentados a uma das mesas do Feitoria para ver como é que as ideias do chef se traduzem num menu de vários pratos. Os snacks iniciais incluem um crocante negro de grão-de-bico e uma brincadeira com a máxima de que “não se deve misturar alhos com bugalhos” — neste caso, um “bugalho” recheado com alho negro.

Chegam depois duas conchas, uma com sumo de maçã verde e pele de galinha crocante e a outra com um dashi. Os animais que habitaram as conchas — um berbigão bicudo e uma bomboca — vêm à parte, para que nada interfira com a experiência de os comer com todo o seu sabor a mar.

O prato seguinte traz-nos a bruxas que tínhamos conhecido, ainda vivas, em duas ocasiões anteriores. Agora surgem apenas salteadas sobre uma grande pedra de sal e, à parte, um molho feito com as cabeças. Mas o mergulho mais profundo no mar acontece a seguir, com os percebes cuja história também tínhamos acompanhado, cozidos ao vapor sobre algas, dando a sensação de os estarmos a comer directamente da pedra da qual foram arrancados.

Os carabineiros do Algarve foram servidos com uma pequena encenação, usando a prensa de pato do Feitoria para extrair os sucos das cabeças. E eis que chega o linguado em todo o seu esplendor, ainda cru, numa travessa que um dos empregados nos apresenta. João Rodrigues quer contrariar a lógica dos pratos perfeitos em que o peixe aparece num filete que não tem qualquer relação visual com o animal que foi. Há quase um lado didáctico neste esforço, como que a dizer “um linguado é assim, é diferente de um goraz, de um pregado ou de um robalo”.

O empregado retira-se e quando regressa é já com o prato pronto, o (agora sim) filete de linguado acompanhado pela gamba quase crua, tupinambo e um jus de carne, numa confecção que faz toda a justiça ao belo peixe que nos tinha sido mostrado. Com a carne, a preocupação em mostrar que há uma história mantém-se e, por isso, o prato que se segue evoca a matança do porco, com a carne a vir acompanhada de um coração de alface cozinhado com enchidos. O último prato do menu é novilho com puré de batata, ovo de codorniz e cogumelos.

A sobremesa leva-nos para a serra da Estrela e transforma-nos por momentos em abomináveis homens das neves (não vamos revelar mais nada para não estragar o momento) e, por fim, faz-nos entrar no fascinante universo dos citrinos (estes vindos do Lugar do Olhar Feliz, no Alentejo) trabalhados de diversas maneiras.

 

A essência do produto

Quando um chef de cozinha diz que a sua principal preocupação é mostrar os ingredientes como eles são e, em certos casos, servi-los mesmo ao natural, a pergunta surge inevitavelmente: qual o papel do seu trabalho, como transformador de alimentos, neste processo? “Tudo isto é cozinhado e em tudo há uma conjugação de sabores. Pode-se dizer que todos os cozinheiros dão importância ao produto. Mas isso passa por fazer o quê? Pô-lo no prato com quinze ingredientes diferentes? Isso é valorizá-lo? Se calhar, valorizá-lo é pegar numa beterraba e cozinhá-la da maneira que entenderes para mostrares como ela realmente é.”

--%>