Fugas - restaurantes e bares

  • Nelson Garrido
  • Nelson Garrido
  • Nelson Garrido
  • Nelson Garrido
  • Nelson Garrido

Continuação: página 2 de 5

A paixão borbulhante de Cristina Gonçalves

Foi contratada para fazer parte de uma equipa de investigação para um projecto de dois anos, a ser apresentado na EBC do Estoril em 1971. Na entrevista com o director de laboratório percebeu que queriam homens, recorda. “Perguntou-me se era casada ou solteira. Eu pensei que queriam alguém com maturidade, responsabilidade e disse, muito depressa, sou solteira mas vou já casar.” Não era a resposta que queriam: “‘E se tiver um filho? Não poderá acompanhar o projecto’, disse-me. Eu garanti-lhe que não queria filhos nos próximos tempos.” Então, recebeu um projecto para fazer em três semanas, queriam ver como o desenvolvia. “Entreguei o relatório e contrataram-me.”

Durante esses dois anos ajudou a dar vida à “grande visão” do engenheiro João Talone (na altura presidente do Conselho de Administração) de transformação tecnológica da fábrica: a transição entre o processo de fermentação clássico para o futuro. Durante dois anos realizaram-se ensaios e estudos até encontrarem a “geometria de tanques óptima” para desenvolver uma fermentação que não se distinguisse da do processo clássico e que se aplicaria na ampliação prevista da fábrica. A cilindro-cónica foi a escolhida e a CUFP tornou-se uma das pioneiras no processo, mesmo entre os grandes grupos internacionais. 

Vamos caminhando pelos bastidores, que Cristina Gonçalves vai reconhecendo. Uma área que era “toda de engenharia” e agora alberga o call center; uma das linhas de enchimento (eram três, agora são seis); o antigo gabinete, quando já era chefe de produção, que agora é uma antessala da Casa da Cerveja.

Antes de aí chegar, e tendo sido convidada a ficar na empresa terminado o projecto inicial, andou dez anos entre laboratórios, na qualidade e investigação — “quando dividiram o departamento provisoriamente dirigi o controlo de qualidade”. Até que sentiu que precisava de mudar. Perguntaram-lhe para onde queria ir: para a produção. “Talvez por ser açoriana [de São Miguel], não gosto de meios pequenos. Na produção teria grandes volumes, grande dimensão, grande equipa.” A direcção estava com certo receio de a apresentar, ia chefiar um grupo de cerca de 50 homens e era das mais jovens. “Fui falar com o chefe do sector de produção de mosto. Perguntei-lhe: ‘O que me diz de ter uma chefe mulher?’ Ele, muito diplomático, responde: ‘Senhora doutora, acho que estava muito bem na qualidade’. E porquê? ‘As mulheres são um bocadinho mais ‘miudinhas’. Vamos ver, disse-lhe.” “Foram excepcionais”, conclui.

Nos laboratórios, agora todos reunidos no mesmo edifício, detém-se diante da instalação-piloto, onde se testam novos produtos e processos de fabrico. Através da parede de vidro descreve o que vê como se nunca daqui tivesse saído. As saudações são constantes. Muitos começaram a trabalhar com ela. Uns falam-lhe do laboratório, “agora muito diferente”, outros do facto de haver “muitas mulheres agora”.

Finalmente entramos na Casa da Cerveja, espaço que reconstrói a história da Unicer e do seu produto mais emblemático. No hall, as matérias-primas expostas — destaque para a cascata de água — levam Cristina a recordar-se de um projecto emblemático da sua passagem pela administração executiva, a sua “quarta fase” na empresa. O desafio era criar uma rede com universidades e produtores para desenvolver e produzir uma cevada dística pura nacional, que melhor se adequasse à produção cervejeira e dinamizasse o mercado nacional. O projecto Cevalte foi o seleccionado e acabou por levar à instalação de uma minimalteria aqui em Leça do Balio, para testes, por onde passa a visita da Casa da Cerveja. Cristina deslumbra-se com a sala “dourada”, feita de garrafas Super Bock fundidas; contudo, são as fotografias, as medalhas, os documentos que verdadeiramente a interessam. Nada, porém, como a antiga sala de fabrico, caldeiras de cobre em sala envidraçada com vista para a Via Norte. “Esta era a minha sala. Só falta a central de comandos.”

--%>