Fugas - restaurantes e bares

  • Nelson Garrido
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A paixão borbulhante de Cristina Gonçalves

Já era a chefe de produção, tinha-se tornado mestre cervejeira. Passou por Copenhaga em 1982 para fazer um curso de master brewer. Eram só homens. “Quando cheguei, tinham ofertas: uma gravata e um isqueiro. Achei piada. Eles desculparam-se.” Porém, o destino quase obrigatório era Louvain, “era a escola daqui” — aliás, anualmente, vinha um professor de topo dessa universidade para consultoria. E também aí os homens eram a regra: no seu grupo, em 1983/84, além dela estavam duas chinesas, também da área produção, mas como ela enviadas por uma fábrica, e uma belga. “O professor disse-lhe: ‘O que está aqui a fazer? Não vai ter nada na fábrica’”.

Ainda hoje, diz, na Bélgica, há fábricas onde não entram mulheres, sobretudo as que estão ligadas a mosteiros. Por tudo isto, diz que “Portugal às vezes surpreende”, embora reconheça a sorte de ter “encontrado pessoas abertas, capazes de apostar”. O que não evitou ter sentido sempre que tinha de fazer mais. “Cheguei a estar 36 horas seguidas na fábrica. É preciso, se não for assim não nos aceitam.” Hoje em dia tudo mudou, “há muitas mulheres na produção”. Quem diria que até ao século XIV a cerveja era fabricada por mulheres? “A mulher fazia o pão e este e a cerveja andavam a par. Tinham a mesma matéria-prima, os cereais.” Na Noruega, aliás, ainda é tradição as mulheres fazerem as suas cervejas.

“Todos os cervejeiros pensam em fazer a sua cerveja. Quando saí...”. O bichinho da cerveja continuava, mas Cristina sempre achou que devia qualquer coisa à sua filha (também tem um filho, mais novo). “Acompanhei-a sempre, mas achei que se calhar não lhe tinha dado toda a disponibilidade. Por isso, pensava, quando ela tiver filhos, vou compensá-la.” Assim fez. “Felizmente já era crescidinha”, brinca.

No entanto, o marido sentiu que precisava de qualquer coisa e até surgiu um projecto de uma brasserie nos Açores e ela foi fazer contactos, visitar micro-brewers. O projecto não avançou. Assim, a única cerveja que fez fora da Unicer foi com um livro que o marido lhe trouxe de Londres, com kit e tudo. Uma brincadeira: “Não sabia à minha cerveja.”

A sua cerveja é a Super Bock, é nela que pensa quando se fala em cerveja, e foi coordenadora do projecto da Stout, ainda que já não estivesse na produção. Quando aí esteve apanhou o grande ciclo de modernização tecnológica e de aumento da procura — “tivemos que lidar com isso”. Quando saiu, para a direção de serviços técnicos, viu-se no processo de grande reorganização da Unicer, com a aglutinação de fábricas — “queríamos produzir a mesma cerveja em diferentes unidades” – enquanto a produção começava com as novas cervejas.

Não considera que haja segredos na produção da cerveja. Há é “uma boa selecção de matérias-primas, um bom processo de maltagem e a selecção de leveduras é fundamental. A Unicer tem um banco vasto e é tratado com o maior carinho”. E há um processo adequado para cada tipo. Estuda-se e ensina-se. Experimenta-se e prova-se. “Muitas vezes é a partir de uma cerveja que desenvolvemos outra. Um dos exames na Bélgica foi a partir de uma prova, reconstituir todo o processo.” Ou seja, o tipo de malte, o amargor, a espuma, o aroma, a levedura, o tipo de água.

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