O dia de hoje é para uma experiência diferente. José Júlio quer mostrar a cozinha alentejana tradicional, mas tornando-a o mais fresca e o menos pesada possível, “um Alentejo não intrusivo”, como explica durante o almoço. Vem a tal sopa de peixe do rio com poejo, favinhas jovens com morangos, farinheira e hortelã, salada de beldroegas com queijo de Niza ralado, salada de agrião com laranja, carpaccio feito com a carne das vitelas da herdade, porco preto alentejano e uns deliciosos pastéis de massa tenra.
114 ânforas de vinho
Ninguém quer ir embora e deixar a belíssima paisagem do Barrocal, mas já estamos muito atrasados para o encontro seguinte, na Adega José de Sousa, em Reguengos. E aí também nos espera uma surpresa: o conceito de vinho de talha adquire toda uma outra expressão quando, entrando numa das adegas deste projecto que vem de 1878 e que desde 1986 pertence a José Maria da Fonseca, nos deparamos com 114 enormes ânforas de barro (a maior tem capacidade para 2100 litros) que datam do século XIX e que nunca deixaram de ser usadas.
A tradição de fazer vinho de talha foi desaparecendo dos países em que existia — é uma tradição que já vem pelo menos do tempo dos romanos —, mantendo-se viva apenas na Geórgia e no Alentejo. Agora, com o interesse que existe pelos vinhos naturais, assiste-se a um regresso da talha. O que a CVR do Alentejo — que começou a certificar vinho da talha desde 2011 — pretende quando mostra aos jornalistas estrangeiros locais como a adega José de Sousa é explicar que nesta região a talha é algo que nunca foi abandonado.
Paulo Amaral, o enólogo, apresenta os vinhos da casa — o José de Sousa, o José de Sousa Mayor e o novo Puro Talha, que tira partido, precisamente, das ânforas seculares e retoma a produção de um vinho 100% de talha, que já não se fazia desde 1998 (geralmente o vinho proveniente da talha é usado para blends e passa depois períodos, mais ou menos longos, em barricas de carvalho).
Georgess, o jornalista francês, está muito interessado no tema e confessa-nos mais tarde que não imaginava sequer que no Alentejo se produzisse vinho de talha. Bombardeia o enólogo com perguntas e tira notas sobre os detalhes do processo. “A talha dá aos vinhos uma mineralidade”, diz Paulo. “Vejam a cor do branco, é mais amarelada. A microporosidade da talha permite ao vinho uma evolução que o torna diferente.”
Na realidade, das 114 ânforas, só 50 estão em condições de serem usadas. E de 12 em 12 anos precisam de levar no interior um tratamento feito à base de cera de abelha e ervas. Cada uma delas está identificada com a assinatura do fabricante. “Esta foi feita na Aldeia do Mato, em São Pedro do Corval”, diz Paulo Amaral, explicando que a produção de ânforas começou a desaparecer por volta da década de 50 do século XX. Para vedar o vinho no interior é ainda usado um método antigo que consiste em colocar por cima azeite, que isola de forma natural, antes de a boca da ânfora ser coberta por plástico.
A adega do “senhor engenheiro”
Mas para que não se pense que o uso das ânforas é algo que existe apenas numa adega-museu, o dia acaba num dos espaços mais emblemáticos de Mourão, o restaurante Adega Velha, cujo proprietário, conhecido como “engenheiro Joaquim Bação”, faz questão de nos dar a provar o vinho de duas das suas ânforas.