Fugas - Viagens

Aga Khan/Reuters

O caos e a eternidade no Egipto

Por Manuela Barreto

O Cairo é um desconcerto. O Nilo um alívio. Os templos concebidos para serem eternos. Manuela Barreto relata uma viagem ao Egipto Antigo pensada para "egiptólogos"

Em 12 dias, 50 desconhecidos percorreram de avião, barco, autocarro e (alguns) balão 23 sítios arqueológicos do Egipto Antigo na visita de estudo anual ao Egipto do Instituto Oriental da Faculdade de Letras de Lisboa, sob orientação do professor Luís Manuel Araújo. Quarenta e nove adultos e uma criança de 12 anos (que, heróica, nunca deu sinal de enfado), entre eles sete médicos, duas geólogas, uns quantos professores universitários, uma jurista, uma educadora infantil, duas guias turísticas, além de um notável guia local, uma germanista, um antropólogo, um economista, várias donas de casa, um oficial da Marinha, dois estudantes de História, uma arquitecta paisagista, num mosaico sem tensões, nem queixumes.

A maior parte do tempo ouviam atentos o incansável professor, alguns tirando notas, fotografando, mas rumando também por sua conta e risco, findo o "expediente" do dia, até ao bazar local ou outros lugares. E no termo da viagem houve mesmo uma produção escrita colectiva bem-humorada sobre a "matéria dada". Grupo exemplar? Foi o que nos pareceu, embora nos falte o termo de comparação. 

Construir para a eternidade

A entrada no Cairo, passava das onze da noite, não foi propriamente triunfal. Os 50 desconhecidos a bordo do autocarro que os levava do aeroporto para o centro olhavam em silêncio o canal aberto paralelo à estrada, e o lixo, imenso lixo, a boiar na água e acumulado nas margens. Prédios com aspecto decrépito e periclitante iam desfilando. De súbito, um lote vazio e uma cena de aldeia - chão de areia e um burro a ser desatrelado de uma carroça. Mais à frente um viaduto e junto ao seu parapeito cadeiras de plástico para apanhar o fresco nocturno. Ora ali estava uma das grandes capitais do mundo árabe, de um país famoso pelo testemunho milenar vindo do tempo dos faraós, que atrai turistas e mais turistas - vital fonte de riqueza, logo depois da exploração do Canal do Suez. Era o Egipto Antigo que nos levava até ali, mas também queríamos conhecer o Egipto do presente. Aquele começo...

Mais à frente reconciliar-nos-íamos com o Cairo e não apenas por que o Egipto Antigo também tem os seus quês. É que o que é bom para o Egipto não é nada agradável para quem vai em romaria visitar pirâmides, templos e túmulos. Dá consigo no meio de uma horda de turistas e, pior ainda, sob um calor inclemente e assédio persistente de nativos a pé, a cavalo ou em camelo cujo intuito é um só: arrancar aos visitantes os preciosos euros, dólares, libras ou o que for em troca de passeatas ou bugigangas, que as pessoas não vivem do ar. Resultado: para escapar às várias pragas do Egipto há que madrugar ou então escolher locais menos procurados mas não menos interessantes. E foi assim que o grupo rumou a Abido, onde deu consigo numa almejada solidão a 50 na visita ao templo da antiga cidade santa de Osíris.

Já a viagem ia a mais de meio, o ambiente tornara-se convivial, acumulavam-se histórias e experiências, quando partimos de Luxor em direcção a Hurgada, reduto turístico no mar Vermelho. Depois de Qena, onde do autocarro avistámos a mesquita El Ken Awi, a marcha inflectiu para ocidente. A cidade alberga duas fábricas de processamento da cana-de-açúcar, já que o seu cultivo prevalece nesta área, sendo uma herança da presença britânica, e veio substituir o cultivo cerealífero. Mais colorida e animada se mostrara Deshna, com uma extensa feira onde os locais vendem os seus produtos hortícolas. E se até muito perto do destino a estrada corria paralela a um canal do Nilo, já perto passáramos a ter a companhia do próprio Nilo.

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