Fugas - Viagens

Fatih Saribas/Reuters

O melhor de dois mundos em Istambul

Por Maria João Guimarães

Ouve-se o canto do muezzin em Sultanhamet ou electrónica na Istiklal Caddesi, observam-se mosaicos antigos na Santa Sofia ou arte contemporânea no Istambul Modern, espreitam-se livrarias com tomos encadernados de folhas amarelas e gatos empoleirados ou vitrinas de marcas internacionais. Istambul impressiona pela diversidade. E vitalidade.

No ferry pelo Bósforo, um jovem turco quer saber de onde sou e o que acho de Istambul. A água salpica dos lados do barco, as gaivotas mergulham para apanhar o pão atirado por uma menina. Olho para os dois lados do estreito, e respondo com elogios à cidade. "E como te vais conseguir ir embora?", pergunta. Não está a brincar, quer mesmo saber se não há uma grande tentação de ficar. 

Istambul, digo-lhe, até é um pouco parecida com Lisboa. Há a luz do Bósforo e a luminosidade do Tejo. Há duas pontes, colinas; história, mundos cruzados. Ele olha-me com desconfiança; não está nada convencido. Tenho de acrescentar, e é verdade, que não há comparação quanto à grandiosidade de Istambul (uma metrópole com mais de 12 milhoes de habitantes) e quanto à sua vida, que me parece muito mais vibrante. "Então não vais voltar?".

Istambul parece ter o melhor de dois mundos. Pode passar-se a manhã em Santa Sofia, uma antiga basílica-antiga mesquita que é agora um museu, e a tarde na zona de Sultanhamet e o seu ambiente tradicional, ouvindo o chamamento aos muezzin. E, depois, ir para a zona de Beyoglu, a um dos milhares de restaurantes, esplanadas, bares, passear pela rua principal, a Istiklal Caddesi, onde há uma torrente incrível de gente - a Wikipedia diz que lá passarão três milhões de pessoas por dia ao fim-de-semana, e, para quem vê a rua com uma massa quase compacta de gente numa sexta-feira à noite, não é difícil acreditar.

Istambul é um centro cultural entusiasmante, mesmo sem ser Capital Europeia da Cultura - título que partilha, este ano, com Essen, na Alemanha, e Pec, na Hungria. Mas, com este incentivo extra, a cidade oferece, naturalmente, muitas mais iniciativas.

Vale a pena ver que exposições temporárias há nas inúmeras galerias de arte, muitas delas localizadas na zona da Istiklal Caddesi, a grande rua pedonal onde tudo parece acontecer (para exemplo, vale a pena visitar o site da galeria de arte contemporânea Arter: www.arter.org.tr), ver que concertos há marcados, ou ir ao improviso e espreitar os bares com os mais variados tipos de música nas paralelas da Istiklal. 

Para algo muito diferente, pode-se ainda tentar ver se está na altura do espectáculo dos dervixes que não param de rodopiar (e que estiveram já este ano na Aula Magna, em Lisboa).

Andar a pé e de ferry 

A Istiklal é a rua das lojas mais trendy (umas mais, outras menos), onde as montras da Adidas ou Camper estão ao lado de cadeias locais, e também das lojas de música e livros, abertas até à noite, onde há música turca e "do mundo" - uma noite era o fado de Mariza que saía da loja cá para fora, embora um pouco abafado pelas conversas das centenas de pessoas que passam.

Ao descer a Istiklal, pode-se encontrar, em geral, um lado mais agitado e com mais opções, à direita, enquanto, do lado esquerdo, à medida que se vai descendo, começa a haver menos opções, mas também muito mais baratas.

Um dos prazeres de visitar Istambul é andar a pé. O metro e o funicular funcionam bem, mas não há nada como fazer uma caminhada da Istiklal Caddesi até à Torre Galata, passando pelas ruas especializadas em instrumentos musicais ou em livros antigos, e recuperar forças no cimo da torre, que oferece uma vista magnífica sobre Istambul. Depois de um sumo de romã bebido na rua, passa-se a ponte cheia de gente com canas de pesca para o outro lado, dando uma espreitadela à zona de Sultanhamet (deixando, talvez, para outro dia, as visitas mais demoradas ao interior dos museus, mesquitas e palácios).

Outra experiência obrigatória de Istambul é andar de ferry no Bósforo. O mínimo será uma pequena viagem entre, por exemplo, Besiktas e Kadikoy, para quem tenha menos tempo (e aí passa-se do lado europeu para o lado asiático da cidade). Mas há várias outras experiências possíveis no Bósforo: um cruzeiro ao entardecer tem o duplo encanto de se ver as duas margens do estreito durante o dia e à noite; mas há também programas mais ambiciosos, como uma viagem até às ilhas dos Príncipes, onde os sultões iam passar férias, e onde não há transportes motorizados.

À volta de Kadikoy, há muito mais do que o cais de onde parte ou chega o ferry. O mercado - com frutas, legumes, mais chá e especiarias e sabonetes como os dohammam, os banhos turcos - está rodeado de ruas simpáticas, com várias casas antigas otomanas. Algumas destas casas são agora bares ou cafés muito cool, perto de pátios com cachimbos de água e almofadas, livrarias com gatos peludos.  Há ainda uma linha de eléctrico antiga (como a que há na Istiklal Caddesi, mas muito menos concorrida e com um ar bastante mais apetecível).

Perto, está o grande museu de arte moderna da Turquia, o Istambul Modern, inaugurado em 2004 num antigo armazém dos anos 1950, com uma colecção permanente no piso térreo, uma temporária no inferior e esculturas no jardim. 

É uma visita indispensável para quem goste de arte moderna e até para quem não goste muito, já que as obras vão desde o período otomano até ao contemporâneo. O diárioThe New York Times chamava a atenção para os pintores Mübin Orhon e Fahrelnisa Zeid, estrelas de um leilão de arte contemporânea turca da Sotheby"s - eu confesso que acabei por me fixar mais nas obras de feministas, como Nur Koçak (pintura) e Nil Yalter (vídeo).

Outra boa razão para visitar o museu é o seu café-restaurante. Se for Verão, as mesas todas mais próximas do Bósforo vão estar reservadas; pode ser boa ideia tentar marcar também. No final da visita, também pode optar por uma bebida no elegante bar aberto para a varanda - mesmo se há outros locais para desfrutar do Bósforo mais de perto.

Um pouco à margem

O Santral Istambul sai do roteiro mais óbvio, mas é um sítio óptimo para visitar - há autocarros gratuitos a partir da praça Taksim.

O que é mesmo o Santral Istambul? É um centro cultural onde tanto há exposições de arte no edifício principal da antiga fábrica de electricidade, como actuações ao vivo de música (ainda recentemente lá esteve o duo berlinense de música electrónica Modeselektor). Há um relvado e esplanadas e uma cafetaria-bar com uma decoração muito engraçada: enormes globos brancos, que parecem alforrecas suspensas na estrutura metálica do tecto. As casas de banho são o expoente máximo do cool: a das mulheres tem os lavatórios feitos de antigas máquinas de lavar redondas pintadas de vermelho e as portas são de frigoríficos antigos pintados de cor-de-rosa choque. O espelho, rodeado de lâmpadas coloridas, à camarim de estrela de cinema, está no cimo de uma bancada de azulejos de padrões diferentes.

Mas uma ida a este centro de cultura um pouco mais fora de mão não quer dizer que se deva deixar de lado os cartões-postais da cidade. Um dos mais impressionantes é a Santa Sofia, que foi alvo de obras de restauro pré-Capital Europeia da Cultura.

A visita é mais interessante com alguma informação prévia, que pode chamar a atenção para pormenores, desde o modo de sustentação da cúpula em apenas quatro colunas, até ao facto de as imagens em mosaico terem sobrevivido ao período em que o edifício foi uma mesquita, passando pelas alterações de rostos de figuras em painéis (os vários maridos da imperatriz Zoe), até ao modo particular como o islão é vivido na Turquia.

Outro cartão postal é a Mesquita Azul, que está apinhada de pessoas - não é possível fugir aos grupos de turistas em Sutanhamet. No meio do burburinho constante, alguns homens rezam, para serem prontamente apanhados pelos flashes das máquinas fotográficas omnipresentes.

As opiniões dividem-se quanto ao Grande Bazar - se é indispensável no passeio turístico, ou se é demasiado cansativo e barulhento. Para quem tema a primeira hipótese - sim, foi o meu caso -, a alternativa poderá ser o mercado de especiarias, também chamado mercado egípcio, onde há, claro, os montes coloridos e aromáticos de temperos entre copos de chá e doces e amuletos e sabonetes e muitas outras coisas. Claro que é obrigatório regatear, e claro que tudo pode ser encontrado, mais barato, noutros sítios. Mas vale a pena para ver o ambiente.

Depois de todas estas visitas, pode ser hora para uma visita a um hammam tradicional (ver caixa). Outro modo de sentir alguma frescura num local menos concorrido é visitar a Cisterna, próxima do bazar.

Ao lado de Sultanhamet, fica o Palácio de Topkapi, onde viveram gerações de sultões antes de se mudarem para palácios mais barrocos ao estilo europeu como o de Dolmabaçe. Passeando pelos pátios, vendo os pavilhões e apanhando lampejos de vidas passadas, ou entrando nas filas de turistas para ver seus tesouros em exposição, a visita demora ainda bastante tempo. 

Um ponto alto da visita ao Palácio Topkapi é o Harém (a entrada é sujeita a mais um pagamento, o que o torna um pouco menos apinhado do que outros locais do palácio) e o restaurante (a comida não vale muito a pena, mas a vista sim).

Um bannho turco em... Istambul

Um banho turco na cidade-postal da Turquia - esta sim, é realmente uma magnífica experiência de Istambul.

A entrada no Hammam Cagaloglu - "o hammam com 300 anos" - faz temer o pior: a indicação com letreiro luminoso de que aquele foi escolhido como o melhor banho turco da cidade pelo diário britânico The Guardian e que é um dos mil lugares a visitar antes de morrer e etc... Mas, enfim, têm a desculpa de a fachada do hammam estar entalada entre cafés e quase que passaria despercebida se não fossem estes sinais. 

Entra-se e descem-se as escadas, ladeadas por painéis que dão para uma nova porta com um vitral e começa-se a pensar que as primeiras impressões podem enganar... Mas ainda é preciso enfrentar duas paredes forradas com fotografias de pessoas famosas que já visitaram o hammam, desde Florence Nightingale ou Liszt, até Kate Moss ou John Travolta.

Conseguindo, enfim, ultrapassar alguma aversão a todo este folclore, chega-se a uma bilheteira para escolher o tipo de massagens: banho, massagem normal, massagem esfoliante - mas, francamente, a massagem é um pretexto para aproveitar o local e a sua aura mágica. 

Escolhida a massagem, mulheres e homens separam-se, cada um para a sua câmara. É-nos entregue uma chave e podemos trocar de roupa e deixar tudo num pequeno camarim, para sair enrolada num pano axadrezado em equilíbrio instável no cimo de umas socas de madeira bastante desconfortáveis. (Uma nota: não parece haver dress code no hammam, há mulheres nuas, mas também há quem use uma parte de baixo de biquíni para não se sentar directamente no mármore).

Finalmente, entra-se na sala, em cores acinzentadas com mármore, dominada por uma espécie de hexágono central, onde serão feitas as massagens, e ladeada por umas bacias onde podemos misturar água quente e fria para o banho, cheia de vapor e cheiro a sabonete. É altura de ficar um pouco a relaxar, a ver a luz que entra em focos vinda do dia lá fora, a ouvir apenas o barulho das pequenas taças de metal a bater o mármore, para levar a água, sem que ninguém diga palavra...

Até se aproximar uma das grandes mulheres vestidas com fatos de banho pretos, que, sem dizer uma palavra de inglês, ordenam tudo por gestos, pegando nas mãos de quem será massajada a seguir. Aí, a massagista começou a cantarolar baixinho, numa leveza a contrastar com a sua forte figura e o vigor da massagem, curtos pedaços de música adocicada. Mas é só um instante; parece apanhada em falta e cala-se. Depois, é altura de voltar à bacia para tirar toda a espuma do sabonete. Ainda é possível aproveitar a câmara de sauna, antes de sair num relaxamento total.

Há muitas pessoas que visitam o hammam ao fim do dia, após as compras no mercado perto, ou as visitas à Santa Sofia ou à Mesquita Azul - a ideia é boa, mas é quando ohammam fica mais concorrido. Além disso, a atmosfera a meio da tarde fica mágica, com os jogos entre a luz e o vapor.

A difícil busca de um hotel

Não é fácil encontrar um hotel em Istambul que reúna uma boa localização, bom serviço e bom preço. Na primeira visita, fiquei no Swissôtel Istanbul, The Bosphorus (quartos a cerca de 250 euros), um hotel de luxo muito confortável, com uma boa piscina e com uma fantástica vista para o Bósforo, mas a localização deixa um pouco a desejar. É verdade que, descendo do hotel, se poderia ir a pé até ao Palácio Dolmabahce, que nessa rua há transportes públicos e o ferry de Besiktas também não é muito longe.

Mas, conforme a hora e a pressa, o táxi acabava por ser uma opção frequente (com vários avisos de cuidado com os taxistas, afinal o único problema acabou por ser o motorista não falar inglês, mas insistir em falar turco muuuuito devagar, talvez inspirado pelo breve momento de compreensão depois de ouvir o local de origem dos seus passageiros, "Portugal", e responder, entusiasta, com o nome do português mais conhecido do mundo: "Cristiano Ronaldo!").

Na segunda visita, a localização na zona da Praça Taksim/Istiklal Caddesi era obrigatória, e o Crystal Hotel (quartos desde 100 euros) está muito perto. Tem a grande vantagem de não estar numa das ruas com mais bares e assim se conseguir dormir à noite. E tem uma outra pequena mais-valia: está muito perto do serviço de transporte Havas para o aeroporto. Mas o hotel de quatro estrelas tinha pouco de quatro estrelas e o cheiro ligeiramente bafiento e muito tabágico dos quartos (de não fumadores), associado a um ar geral não muito limpo, acabou por o tornar não muito recomendável. 

Da próxima vez, sonho com ficar no Pera Palace, um hotel histórico que acabou de reabrir neste mês de Setembro após uma grande renovação - vou sonhando enquanto oe-mail que enviei a perguntar o preço fica sem resposta. É um hotel luxuoso, com uma localização fantástica, e seria maravilhoso ser uma das hóspedes no hotel onde Agatha Christie se terá inspirado para escrever o Crime do Expresso Oriente, e por onde passaram figuras como a espia Mata Hari, a actriz Greta Garbo, ou o escritor Ernest Hemingway.

Como ir

A Turkish Airlines tem voos directos Lisboa-Istambul (desde 255 euros). Há ainda várias outras opções, com escalas em Madrid, Paris ou Frankfurt.

Visto: é aconselhável levar euros suficientes para pagar o visto à chegada. É que o preço é fixo: 15 euros, 15 dólares ou... muito mais em liras.


O que fazer

- passar uma noite de sexta-feira ou sábado na Istiklal Caddesi.

- Fazer uma viagem de ferry, nem que seja de Besiktas a Kadikoy.

- visitar Sultanhamet: a Santa Sofia, a Mesquita Azul e, ao lado, o Palácio Topkapi.

- atravessar a ponte Galata, cheia de homens a pescar; visitar a Torre Galata, com uma vista magnífica de 360 graus sobre Istambul e o Bósforo.

- ir a um hammam.

Onde comer

É difícil eleger sítios para comer em Istambul. Certamente que quem visita a cidade irá passar algum tempo em Sultanhamet, e entre uma ida à Santa Sofia ou à Mesquita Azul, pode-se almoçar no Sultanahmet Köftecisi (Divanyolu Caddesi, nº 12, http://www.sultanahmetkoftesi.com/), vendo a correria dos empregados pelos três andares entre o cheiro de pratos deliciosos.

O restaurante do Palácio Topkapi vale mesmo pela vista. A comida não é brilhante, e é cara, mas a varanda compensa. 

Outros restaurantes que valem mais pelo ambiente, embora até se coma bem, são os das arcadas de Cite De Pera, numa passagem perpendicular à Istiklal Caddesi (no. 80).

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