No ferry pelo Bósforo, um jovem turco quer saber de onde sou e o que acho de Istambul. A água salpica dos lados do barco, as gaivotas mergulham para apanhar o pão atirado por uma menina. Olho para os dois lados do estreito, e respondo com elogios à cidade. "E como te vais conseguir ir embora?", pergunta. Não está a brincar, quer mesmo saber se não há uma grande tentação de ficar.
Istambul, digo-lhe, até é um pouco parecida com Lisboa. Há a luz do Bósforo e a luminosidade do Tejo. Há duas pontes, colinas; história, mundos cruzados. Ele olha-me com desconfiança; não está nada convencido. Tenho de acrescentar, e é verdade, que não há comparação quanto à grandiosidade de Istambul (uma metrópole com mais de 12 milhoes de habitantes) e quanto à sua vida, que me parece muito mais vibrante. "Então não vais voltar?".
Istambul parece ter o melhor de dois mundos. Pode passar-se a manhã em Santa Sofia, uma antiga basílica-antiga mesquita que é agora um museu, e a tarde na zona de Sultanhamet e o seu ambiente tradicional, ouvindo o chamamento aos muezzin. E, depois, ir para a zona de Beyoglu, a um dos milhares de restaurantes, esplanadas, bares, passear pela rua principal, a Istiklal Caddesi, onde há uma torrente incrível de gente - a Wikipedia diz que lá passarão três milhões de pessoas por dia ao fim-de-semana, e, para quem vê a rua com uma massa quase compacta de gente numa sexta-feira à noite, não é difícil acreditar.
Istambul é um centro cultural entusiasmante, mesmo sem ser Capital Europeia da Cultura - título que partilha, este ano, com Essen, na Alemanha, e Pec, na Hungria. Mas, com este incentivo extra, a cidade oferece, naturalmente, muitas mais iniciativas.
Vale a pena ver que exposições temporárias há nas inúmeras galerias de arte, muitas delas localizadas na zona da Istiklal Caddesi, a grande rua pedonal onde tudo parece acontecer (para exemplo, vale a pena visitar o site da galeria de arte contemporânea Arter: www.arter.org.tr), ver que concertos há marcados, ou ir ao improviso e espreitar os bares com os mais variados tipos de música nas paralelas da Istiklal.
Para algo muito diferente, pode-se ainda tentar ver se está na altura do espectáculo dos dervixes que não param de rodopiar (e que estiveram já este ano na Aula Magna, em Lisboa).
Andar a pé e de ferry
A Istiklal é a rua das lojas mais trendy (umas mais, outras menos), onde as montras da Adidas ou Camper estão ao lado de cadeias locais, e também das lojas de música e livros, abertas até à noite, onde há música turca e "do mundo" - uma noite era o fado de Mariza que saía da loja cá para fora, embora um pouco abafado pelas conversas das centenas de pessoas que passam.
Ao descer a Istiklal, pode-se encontrar, em geral, um lado mais agitado e com mais opções, à direita, enquanto, do lado esquerdo, à medida que se vai descendo, começa a haver menos opções, mas também muito mais baratas.
Um dos prazeres de visitar Istambul é andar a pé. O metro e o funicular funcionam bem, mas não há nada como fazer uma caminhada da Istiklal Caddesi até à Torre Galata, passando pelas ruas especializadas em instrumentos musicais ou em livros antigos, e recuperar forças no cimo da torre, que oferece uma vista magnífica sobre Istambul. Depois de um sumo de romã bebido na rua, passa-se a ponte cheia de gente com canas de pesca para o outro lado, dando uma espreitadela à zona de Sultanhamet (deixando, talvez, para outro dia, as visitas mais demoradas ao interior dos museus, mesquitas e palácios).
Outra experiência obrigatória de Istambul é andar de ferry no Bósforo. O mínimo será uma pequena viagem entre, por exemplo, Besiktas e Kadikoy, para quem tenha menos tempo (e aí passa-se do lado europeu para o lado asiático da cidade). Mas há várias outras experiências possíveis no Bósforo: um cruzeiro ao entardecer tem o duplo encanto de se ver as duas margens do estreito durante o dia e à noite; mas há também programas mais ambiciosos, como uma viagem até às ilhas dos Príncipes, onde os sultões iam passar férias, e onde não há transportes motorizados.
À volta de Kadikoy, há muito mais do que o cais de onde parte ou chega o ferry. O mercado - com frutas, legumes, mais chá e especiarias e sabonetes como os dohammam, os banhos turcos - está rodeado de ruas simpáticas, com várias casas antigas otomanas. Algumas destas casas são agora bares ou cafés muito cool, perto de pátios com cachimbos de água e almofadas, livrarias com gatos peludos. Há ainda uma linha de eléctrico antiga (como a que há na Istiklal Caddesi, mas muito menos concorrida e com um ar bastante mais apetecível).
Perto, está o grande museu de arte moderna da Turquia, o Istambul Modern, inaugurado em 2004 num antigo armazém dos anos 1950, com uma colecção permanente no piso térreo, uma temporária no inferior e esculturas no jardim.
É uma visita indispensável para quem goste de arte moderna e até para quem não goste muito, já que as obras vão desde o período otomano até ao contemporâneo. O diárioThe New York Times chamava a atenção para os pintores Mübin Orhon e Fahrelnisa Zeid, estrelas de um leilão de arte contemporânea turca da Sotheby"s - eu confesso que acabei por me fixar mais nas obras de feministas, como Nur Koçak (pintura) e Nil Yalter (vídeo).
Outra boa razão para visitar o museu é o seu café-restaurante. Se for Verão, as mesas todas mais próximas do Bósforo vão estar reservadas; pode ser boa ideia tentar marcar também. No final da visita, também pode optar por uma bebida no elegante bar aberto para a varanda - mesmo se há outros locais para desfrutar do Bósforo mais de perto.
Um pouco à margem
O Santral Istambul sai do roteiro mais óbvio, mas é um sítio óptimo para visitar - há autocarros gratuitos a partir da praça Taksim.
O que é mesmo o Santral Istambul? É um centro cultural onde tanto há exposições de arte no edifício principal da antiga fábrica de electricidade, como actuações ao vivo de música (ainda recentemente lá esteve o duo berlinense de música electrónica Modeselektor). Há um relvado e esplanadas e uma cafetaria-bar com uma decoração muito engraçada: enormes globos brancos, que parecem alforrecas suspensas na estrutura metálica do tecto. As casas de banho são o expoente máximo do cool: a das mulheres tem os lavatórios feitos de antigas máquinas de lavar redondas pintadas de vermelho e as portas são de frigoríficos antigos pintados de cor-de-rosa choque. O espelho, rodeado de lâmpadas coloridas, à camarim de estrela de cinema, está no cimo de uma bancada de azulejos de padrões diferentes.
Mas uma ida a este centro de cultura um pouco mais fora de mão não quer dizer que se deva deixar de lado os cartões-postais da cidade. Um dos mais impressionantes é a Santa Sofia, que foi alvo de obras de restauro pré-Capital Europeia da Cultura.
A visita é mais interessante com alguma informação prévia, que pode chamar a atenção para pormenores, desde o modo de sustentação da cúpula em apenas quatro colunas, até ao facto de as imagens em mosaico terem sobrevivido ao período em que o edifício foi uma mesquita, passando pelas alterações de rostos de figuras em painéis (os vários maridos da imperatriz Zoe), até ao modo particular como o islão é vivido na Turquia.
Outro cartão postal é a Mesquita Azul, que está apinhada de pessoas - não é possível fugir aos grupos de turistas em Sutanhamet. No meio do burburinho constante, alguns homens rezam, para serem prontamente apanhados pelos flashes das máquinas fotográficas omnipresentes.
As opiniões dividem-se quanto ao Grande Bazar - se é indispensável no passeio turístico, ou se é demasiado cansativo e barulhento. Para quem tema a primeira hipótese - sim, foi o meu caso -, a alternativa poderá ser o mercado de especiarias, também chamado mercado egípcio, onde há, claro, os montes coloridos e aromáticos de temperos entre copos de chá e doces e amuletos e sabonetes e muitas outras coisas. Claro que é obrigatório regatear, e claro que tudo pode ser encontrado, mais barato, noutros sítios. Mas vale a pena para ver o ambiente.
Depois de todas estas visitas, pode ser hora para uma visita a um hammam tradicional (ver caixa). Outro modo de sentir alguma frescura num local menos concorrido é visitar a Cisterna, próxima do bazar.
Ao lado de Sultanhamet, fica o Palácio de Topkapi, onde viveram gerações de sultões antes de se mudarem para palácios mais barrocos ao estilo europeu como o de Dolmabaçe. Passeando pelos pátios, vendo os pavilhões e apanhando lampejos de vidas passadas, ou entrando nas filas de turistas para ver seus tesouros em exposição, a visita demora ainda bastante tempo.
Um ponto alto da visita ao Palácio Topkapi é o Harém (a entrada é sujeita a mais um pagamento, o que o torna um pouco menos apinhado do que outros locais do palácio) e o restaurante (a comida não vale muito a pena, mas a vista sim).
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