Os homens-estátua e outros actores nos sítios do Muro cumprem rigorosamente oito horas de trabalho. Pudemos confirmar que o oficial prateado que entra às nove sai às cinco, enquanto o macaco e os outros dois que entram 30 minutos depois também se demoram mais meia hora na Porta de Brandemburgo. A excepção será o oficial francês Checkpoint Charlie, que faz certamente horas extraordinárias o que, aliás, se comprova pelo castanho estampado na pele do rosto, mais entranhado que a de alguns mendigos. Este teatro é uma diversão segura para os turistas que andam em peregrinação pelos sítios do Muro, mas quem se demorar um pouco vai acabar por perguntar se os figurantes e todo o bazar anexo são um negócio público ou privado. Sobretudo, quem mandou para ali toda aquela trupe de falsos militares?
Não, não fazem parte das comemorações oficiais, antes pelo contrário. Os jornais alemães "online" são muito claros: os gestores públicos e os políticos, sobretudo os de centro-direita, condenam absolutamente semelhante teatro. Desfigura lugares históricos, adultera a própria história (nunca houve soldados americanos e soviéticos em Pariser Platz), convertendo o centro de Berlim numa espécie de disneylândia. Razões semelhantes levaram à proibição dos vendedores de salsichas e "souvenirs" na Porta de Brandemburgo. Mas as censuras dos políticos são ineficazes contra os actores de rua, porque não há nenhuma lei que os proíba de ganharem a vida a tirarem fotos com os turistas.
Os falsos soldados defendem-se, por sua vez, argumentando que estão a promover o turismo e a criar um ambiente de festa em espaços públicos onde, antes deles, era a completa desolação. Nesse ponto, pelo menos, tem de se lhes conceder algum crédito. Exemplarmente restaurada, a Pariser Platz é hoje um dos mais bonitos espaços públicos da capital alemã, mas sem animação acaba também por ser um sítio estéril e tristonho, pior que o Terreiro do Paço, que aqui nem há rio para pousar a vista.
Estratégias de substituição
O tristemente famoso Die Mauer (O Muro) foi criado a 13 de Agosto de 1961 por iniciativa do governo da RDA, como uma "barreira de protecção antifascista", ou mais prosaicamente como último recurso para estancar o crescente êxodo para Ocidente da população da Alemanha de Leste. Erguido ao longo de mais de 160 quilómetros de fronteira, era formado por placas de betão de 3,6 metros de altura, reforçadas por uma "terra de ninguém", que variava entre cinco e várias centenas de metros de largura, povoada por arame farpado, minas e torres de observação. O muro começou a ser amputado desde o colapso do regime comunista, no Outono de 1989, nomeadamente pelos chamados "pica-paus". Levaram pedaços, mas também placas inteiras, que acabaram em museus, colecções particulares e até nos urinóis de um casino de Las Vegas.
Eram mesmo assim 160 quilómetros de barreira e hoje ainda haveria certamente um pedaço gratuito para toda a gente, se entretanto o governo de Lothar DeMaiziere único eleito democraticamente na RDA não tivesse despachado rapidamente a "Questão do Muro" mal entrou em funções, na Primavera de 1990.