Fugas - Viagens

Pedro Cunha

À procura do "glorioso Éden"

Por José Manuel Fernandes

O cenário é o que é, belíssimo, mas desta vez até o tempo ajudou a tornar Sintra mais mágica. Desbravando o nevoeiro, a Fugas voltou a deixar-se surpreender pelas suas "sombras deliciosas" e a perder-se nas suas ruas e monumentos sem par. Fê-lo sem pressas mas ainda teve tempo para provar as centenárias queijadas.

Não há muitos dias assim, pois a magia de Sintra encontra-se mais depressa nos seus nevoeiros e nas suas sombras do que quando o sol a ilumina. Mas naquela tarde de Dezembro, quando tomámos a estrada de Monserrate, o céu plúmbeo que nos acompanhara desde Lisboa, o nevoeiro ralo que esbatia, e entristecia ainda mais, os contornos dos subúrbios, abriu-se de repente, ao virar da última curva antes de Seteais. Parámos no palácio-hotel para tomar um chá e, quando olhámos a serra, esta apareceu-nos como a imagem invertida da mágica pintura de Caspar David Friedrich, "Wanderer sobre um Mar de Nevoeiro", a obraprima do romantismo alemão.

Lá no alto, as nuvens ainda envolviam o Palácio da Pena, de que apenas se avistava o torreão mais elevado, por um milagre solto da serra mas pousado sobre o véu branco de nuvens que se desfaziam. Logo abaixo, protegidas do avanço da neblina pelo volume da montanha, as muralhas do Castelo dos Mouros tomavam as cores douradas de um sol quase no ocaso. E, à nossa frente, o vasto relvado do Palácio mandado construir por Daniel Gildemeester conduzia o olhar para a colina onde o verdeescuro da vegetação ainda deixava ver, aqui e além, as folhas amarelas de algum castanheiro ou plátano mais tardios e renitentes na despedida da folhagem de Verão. A teimosa montanha que, mesmo nos dias mais quentes do Verão, teima em atrair o abraço das nuvens, libertava-se agora delas e rendia-se à luminosidade de uma atmosfera transparente e reconfortante.

Toda esta surpresa nos surgira de repente, a uma centena de metros do Palácio da Regaleira, que o nevoeiro ainda não tinha libertado, infiltrando-se nos seus labirintos e esconderijos e guardando as sombras que preservam, ciosas de humidade, os musgos sempre verdes que se colam às suas pedras retorcidas como as cordas de caravelas só presentes na memória romântica de quem as esculpiu. Mas toda esta surpresa é o que faz de Sintra o que Sintra é, um lugar que nunca é igual, uma vila onde cada esquina reserva uma surpresa, uma serra onde se misturam, em harmonia, plantas trazidas de todo o mundo e onde coabitam, à distância de um cerro, pedaços do Portugal mediterrânico e do Portugal Atlântico.

A "umbrosa Sintra" de Herculano, o "glorioso Éden" de Lord Byron, este lugar onde Robert Southey apreciava "as sombras deliciosas" e Eça sentia que "o ar parecia mais fino, como refrescado da abundância das águas", teve a arte de se preservar do rolo compressor de um "progresso" que só muito marginalmente feriu um lugar que, não por acaso, se identifica com o romantismo português e europeu. Até o Palácio da Pena tem hoje, de novo, "as suas cores vivas de vermelho escarlate e amarelo canário", tal como as celebrou Richard Strauss.

Não surpreende que um lugar destes, para além de atrair escritores, pintores, arquitectos ou músicos, se tenha transformado e conservado, o que é ainda mais espantoso num lugar não apenas romântico, como Romântico. Antes do romantismo que marcou, na Europa, a primeira metade do século XIX, já Sintra atraíra, em Portugal, reis e nobres, já lá se erguera o Palácio da Vila (ainda o mais notável de todos os seus monumentos, mesmo não sendo o mais visitado) ou o de Seteais. Já a Penha Verde ligara o seu nome ao de D. João de Castro e já se abrigavam frades no místico Convento dos Capuchos.

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