Não tem séculos, mas ainda assim é velha de três décadas e meia, a aposta desta cidade do litoral Atlântico francês na mobilidade sustentável. É coisa para turista ver - e usar - porque não dá para não reparar. Sai-se do hotel manhã cedo, a ver como assentam os primeiros raios de sol sobre o calcário das casas antigas e sobre os cascos das centenas de veleiros adormecidos no Vieux Port, e aí estão elas, silenciosas, limpas, a caminho do pão e das primeiras compras. Jornalista-turista, eu sigo a pé, em ecológica solidariedade, perdendo-me sozinho pelas ruas, horas antes de um encontro com a simpática guia Anne Lepelletier. Sem contexto, La Rochelle é apenas uma cidade bonita de se ver. Em contexto, é uma cidade interessante de se conhecer, cujo ar prazenteiro que ostenta nos dias que correm esconde a sua grandiosa e, porventura por isso, muitas vezes tumultuosa, história. Tão velha como as suas torres e faróis.
Não há, no casco histórico, muitos sinais da vila de pescadores erguida sobre uma zona rochosa rodeada de marismas, zonas submetidas aos avanços e recuos das marés, à qual Guilherme X, Duque da Aquitânia, deu grandes privilégios, corria o ano de 1137. E esse apagamento da marca inicial talvez se deva ao desenvolvimento constante desta cidade que, mais do que aos pescadores, deve aos armadores/mercadores o estatuto que alcançou ao longo do tempo. Libertos de muitos constrangimentos feudais, os de La Rochelle cultivaram sempre um sentimento de autonomia - ainda no século XII foram os primeiros, no reino, a eleger um presidente de câmara - que lhes trouxe riquezas mesmo quando França e Inglaterra se digladiavam na designada Guerra dos Cem Anos. E que, mais tarde, valeu ao burgo o epíteto La Rochelle, la Rebelle.
O espírito dos mercadores locais ajuda a explicar a adesão de La Rochelle à Reforma Protestante no final do século XVI. Mas este importante porto, tornado bastião do calvinismo e habituado a cuidar dos seus próprios negócios, não cosia bem com o absolutismo centralizador que se erguia no Reinado de Luis XIII, pela mão de um famoso primeiro-ministro, o cardeal Richelieu. E em 1627 este empenhou-se pessoalmente, tendo a seu lado o monarca, num longo cerco à cidade. Que, após 13 meses, soçobrou, exaurida de três quartos da sua população. Como castigo, ainda perdeu privilégios, e entre eles a autonomia municipal, elevada aos píncaros durante os 30 anos (1590-1620) em que se tornara uma cidade livre e das liberdades religiosas, graças ao Le Bon ami des rochelais, o rei Henrique IV. Pai de Luis XIII.