Fugas - Viagens

Adriano Miranda

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O sonho indiano começa em Bombaim

Não é caso único, nestas megalópoles onde os extremos se tocam. Bombaim é a casa de industriais e legiões de trabalhadores não qualificados, de estrelas de cinema e pedintes, de artistas e amanuenses, de licenciados e encantadores de serpentes. Para todos, é o eldorado: se a Índia caminha a passos largos para um boom económico, e para as alterações sociais que daí podem resultar, Bombaim é a vanguarda que indica o rumo. É a cidade mais rica do país, capital do grande capital (tem a maior bolsa de valores), das grandes empresas e das grandes indústrias, o maior centro artístico, capital de todo sonho e glamour de Bollywood. Sonho - uma palavra que define bem Bombaim, o sonho de um dia entrar na repartição dos excessos de Bombaim. Ainda que se tenha de começar por partilhar o excesso de pobreza.

E voltamos a piscar o olho ao cinema com o filme de Danny Boyle, que levou Bombaim mundo fora e à passadeira vermelha dos Óscares em Los Angeles. Literalmente, porque alguns dos jovens actores saíram directamente dos slums para o glamour de Hollywood. No filme há uma história de amor, há o mundo das favelas e da pobreza mais abjecta e há ascensão social - do bairro de lata para o clube dos milionários (numa cidade povoada de bilionários). Por aqui percebemos também por que é que, apesar de todas as contradições, Bombaim não deixa de ser um pólo de atracção. É o altar do sonho indiano: mais do que em qualquer outro sítio na Índia, a materialização de uma vida melhor é possível, liberta de tradições de castas e preconceitos. Por isso, se troca uma vida no campo pelos sacrifícios em Bombaim, se troca uma casa por um quarto sobrelotado - ou um pedaço de rua.

É inevitável comparar Bombaim com Nova Iorque - Suketu Mehta também o faz: ""Parece Bombaim." É assim que se explica Nova Iorque às pessoas na Índia." Não só pelo perfil dos arranha-céus que por vezes colide com o da baixa de Manhattan, mas pelos sonhos que ambas as cidades projectam: Nova Iorque para o mundo, Bombaim para a Índia, que é um mundo à sua maneira.

A península, que foi ilha, que foram ilhas

Chegamos a Bombaim numa manhã quente - não haja ilusões: nunca faz frio em Bombaim, mas os meses melhores para visitas são entre Outubro e Março, a "estação seca". Abril está a começar, o calor anda à solta e a humidade é altíssima - pode chegar aos cem por cento, avisam-nos. E chegamos por mar, uma entrada "privilegiada" - vemos a cidade quase onírica envolvida por uma leve poalha dourada e não atravessamos os caóticos subúrbios para onde Bombaim tem crescido, há muito impossível de conter na ilha onde se implantou. Na ilha que originalmente eram ilhas, sete - Bombaim era apenas uma delas, a Sul do arquipélago, no Sul da Província do Norte do Estado da Índia.

Foi essa ilha chamada Bombaim (parte de) o dote de Catarina de Bragança aquando do seu casamento com o rei Carlos II de Inglaterra. Corria o ano de 1661, os ingleses não sabiam bem onde era Bombaim ("perto do Brasil", aventava-se), mas, quando chegaram, não quiseram ficar confinados à pequena ilha - o acordo só ficou concluído em 1665. Não era uma cidade, eram aglomerados de aldeias piscatórias o que a coroa inglesa arrendou à Companhia das Índias Orientais para explorar. Foi o início da epopeia de Bombaim que em pouco mais de três séculos e meio se tornou numa das maiores aglomerações urbanas do mundo.

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