Fugas - Viagens

Adriano Miranda

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O sonho indiano começa em Bombaim

Os sentidos são permanentemente saqueados quando estamos em Bombaim: é o calor, repetimos, húmido, que se cola insistentemente à pele - abrimos caminho entre ele quase como abrimos entre as multidões compactas que se quisermos (às vezes mesmo não querendo) nos arrastam indefinidamente, as multidões que não conseguimos evitar, as multidões que nos fazem crer (como a tantos antes de nós) que é impossível estar sozinhos em Bombaim. (V. S. Naipaul, o escritor de Trinidad e Tobago de ascendência indiana, escreveu que "estar em Bombaim é estar sempre entre uma multidão" e os números são eloquentes: a densidade é de 43 mil habitantes por quilómetro quadrado, na ilha-cidade; na Grande Bombaim, 30 mil.) É a cacofonia permanente, uma orquestra desafinada de buzinas que buzinam por tudo e por nada (uma ironia numa cidade onde as placas de trânsito proibindo-as são recorrentes), vozes em línguas estranhas e estranhamente doces, música que é do mundo e o mundo é aqui. São os cheiros intensos que se entranham, de comida (há bancas de chamuças, thali, bhelpuri e outras iguarias, de chá com especiarias, o chai, e de fruta), de incensos, de lixo - e os desconhecidos. É o festival de cores em movimento e em exibição em bancas e montras, é a sucessão de edifícios mais ou menos grandiosos, mais ou menos decadentes, é o trânsito, de carros, autocarros, motas, camiões, bicicletas, carros de mão e carroças carregadas de grandes volumes arrastadas por homens novos e velhos, em gincana entre eles e com os transeuntes que surpreende pela sua disciplina no meio do caos. As listas da faixas rodoviárias já desapareceram (há tantas faixas quantas o engenho dos condutores permite), os semáforos são quase só uma formalidade.

A cidade vitoriana no século XXI

Não houve qualquer simbolismo na escolha do local onde começamos a nossa visita "a sério" por Bombaim, foi consequência da visita primeira, à Ilha Elefanta (ver caixa). Ida e volta a partir da Porta da Índia, (também) o ancoradouro de onde saem os barcos turísticos e de transporte diário dos habitantes das ilhas que continuam a existir - Bombaim não as absorveu todas. A camioneta deixou-nos aí, fomos à ilha e regressamos para, aí sim, chegarmos finalmente a Bombaim. Mas há simbolismo neste arco triunfal a que chamam Gateway to India e que cujo enorme terreiro por detrás é uma espécie de ágora onde se juntam turistas - mais indianos do que estrangeiros nas vezes em que lá fomos - e locais em passeio de final de dia.

Foi construído para assinalar a visita do rei Jorge V e da rainha Maria, em 1911, (na ocasião estava erguida apenas uma réplica de papelão, porque a conclusão do monumento deu-se apenas em 1924) - e como a história tem destas ironias, foi aqui que o império se despediu da "Jóia da Coroa": em 1947 partiu daqui a última armada britânica. Ainda não era a maior cidade indiana, esta Bombaim que esteve, no entanto, sempre ligada ao movimento pela independência - o primeiro Congresso Nacional Indiano teve lugar aqui, em 1885, e a campanha Quit India ("desistam da Índia" ou "saiam da Índia") foi aqui lançada por Mahatma Ghandi - a sua casa é uma das atracções turísticas. Agora é-o e tudo começou assim, à beira-mar, no porto natural que cresceu ao longo dos séculos para se tornar um dos mais movimentados do mundo, ancorado primeiro na indústria do algodão (a partir da Guerra de Secessão Americana), depois na abertura do Canal do Suez. Actualmente, a indústria de Bombaim produz um vasto leque de bens de consumo e desenvolveu a extracção de petróleo de jazigos submarinos.

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