Fugas - Viagens

Adriano Miranda

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O sonho indiano começa em Bombaim

Em Bombaim sabemos que estamos numa península - sucessivos assoreamentos facilitados pela natureza pantanosa dos terrenos e escassa profundidade entre as ilhas permitiram que todas se unissem numa grande ilha, a actual cidade de Bombaim, coração da Região Metropolitana de Bombaim.

E como chegamos, então, por mar, estamos perto do núcleo fundador da cidade: o Forte, zona fortificada pelos ingleses a partir do Solar de Garcia da Orta que, na altura da transferência de soberania, em 1665, era o edifício de maior dimensão da ilha.

O primeiro contacto com Bombaim é mediado pelas janelas e pelo ar condicionado de uma camioneta: percorremos as ruas à saída do porto como se num aquário viajássemos, mirando, como se de outro mundo se tratasse, os edifícios arruinados, cor amarelo torrado já desbotado. Passamos a uma grande avenida, edifícios altos e barracas nos passeios - madeiras, plásticos e fardos que guardam os haveres da gente que se senta ou deambula nas imediações de "casa".

Não voltaremos a entrar numa camioneta, nem num dos autocarros que percorrem incessantemente as ruas de Bombaim, dois andares, modelos de 50 anos, vermelho espampanante e grandes e coloridos anúncios publicitários a cobri-los. O serviço é bastante fiável, mas no pouco tempo que temos as deslocações mais longínquas serão feitas nos tradicionais (e, na maioria, velhíssimos) táxis pretos e amarelos por fora, inesperados por dentro. Têm desde buracos no chão, a alcatifa florida no tecto e/ou pequenos altares hindus nos tabliers. Também circulam táxis azuis e brancos, os cool cabs, com ar condicionado. Porém, grande parte do nosso périplo em Bombaim acaba por ser feito a pé, deixando-nos ir à descoberta, com alguns pontos de referência incontornáveis, da zona Sul, a ponta de ilha onde o porto se encontra, que é a mais turística da cidade. É também onde tudo começou e de onde parece que não querer sair, apesar das propostas de descentralização da cidade, as novas "centralidades" acabaram por tornar-se, sobretudo, dormitórios.

Saque dos sentidos

Se com Nova Iorque quando chegamos parece que já conhecemos tudo tal a familiaridade com a arquitectura e a geografia da cidade, em Bombaim essa familiaridade advém mais do que julgamos ser o modo de vida da cidade (e das grandes urbes da Índia, em geral). Não ficamos desapontados nesse confronto entre o visto e lido e a realidade.

Já o escrevemos antes: Bombaim é frenética e apática, suja e colorida, monumental e miserável, perfumada e nauseabunda. E tudo a um tempo, que é o mesmo tempo, nesta cidade onde tudo se sobrepõe e que não dá muito espaço a contemplações: distraímo-nos e somos engolidos por ela. Devorados pelos transeuntes apressados e pelo trânsito alucinado; devorados pelo assédio interminável dos vendedores e pelas insistentes mãos estendidas.

E, no entanto, contemplação é o que mais queremos quando nos vemos em pleno Bombaim. Não a contemplação mística que leva os ocidentais em peregrinação à Índia (que recebem em troca sorrisos trocistas), mas sim a contemplação activa de um universo em mutação constante: há mil coisas a acontecer ao mesmo tempo, nós estamos no meio de tudo e, contudo, permanecemos à parte, tentando decifrar um quotidiano tão distante da nossa realidade.

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