Fugas - Viagens

Adriano Miranda

O sonho indiano começa em Bombaim

Por Andreia Marques Pereira

Suketu Mehta chama-lhe "a cidade máxima"; V. S. Naipaul disse que é "uma multidão". Bombaim é assim - um excesso. De tudo: de pessoas, de edifícios, de trânsito, de pobreza, de riqueza, de calor, de buzinas, de vendedores. Dizem que é um dos laboratórios que redefinirão a ideia de cidade: fomos do oito ao oitenta, entre fascínio e repulsa. Quem tem medo de Bombaim?

Fotogaleria: Com olhos de Bombaim

O filme Bombaim não é de todo original. O argumento é recorrente: numa pequena aldeia, rapaz hindu apaixona-se por rapariga muçulmana e fogem para Bombaim para viver um amor proibido. Claro que o universo religioso pode inverter-se - o rapaz pode ser muçulmano e a rapariga hindu - mas esse conflito tem de estar presente: é uma questão primária de identidade nesta Índia das castas e permanece arreigada mesmo mais de seis décadas volvidas da independência.

E, claro, Bombaim tem de ser o porto de abrigo destes "transgressores", uma vez que apesar de todos os seus conflitos étnicos e religiosos segue como o local mais livre e cosmopolita do país. De facto, Bombaim parece ser o umbigo da Índia, o verdadeiro melting pot deste sub-continente com um poder de atracção incomparável, a verdadeira jóia da coroa daquela que já foi a jóia da coroa do Império Britânico. Entretanto, o Raj chegou ao fim e Bombaim está a chegar ao futuro. Na sua obra Mumbai: The Maximum City, Suketu Mehta, jornalista indiano regressado à cidade natal depois de duas décadas nos Estados Unidos, entre o fascínio e a frustração faz um relato apaixonado da sua (re)descoberta insistindo numa ideia - Bombaim, com os seus 14 milhões de habitantes (21 milhões na área metropolitana), é uma espécie de laboratório das grandes megalópoles que redefinirão a ideia de cidade no futuro.

Voltamos a Bombaim, o filme. O casal foge para a grande cidade, tem filhos e tudo parece correr bem até que as tensões religiosas e os motins ameaçam destruir a família. É de 1995, o filme. E é, à sua maneira enviesada pelo cinema (curiosamente, não de Bollywood, mas de Kollywood - e isto significa não de Bombaim, mas de Chennai, não em hindi, mas em tamil), uma crónica de dias turbulentos da maior cidade indiana. Aqueles dias entre 1992 e 1993, em que a cidade esteve a ferro e fogo com conflitos entre hindus e muçulmanos, emergiram da demolição da Mesquita Babri. Centenas de mortos e um ataque bombista em Março de 1993 recordaram que o multiculturalismo e cosmopolitismo de Bombaim tinham bases frágeis, sobretudo depois de o Shiv Sena (partido regionalista hindu) tomar o poder, em 1985, fazendo da discriminação de muçulmanos e dos "estrangeiros" (os não naturais de Maharashtra, o estado de que Bombaim é capital) uma bandeira.

No entanto, os novos conflitos religiosos que em 2006 abalaram a cidade (onde convivem o hinduísmo, maioritário, o islamismo, segunda religião, o budismo, o cristianismo, o jainismo, o siquismo, o zoroastrismo) e os ataques terroristas que, em 2008, elegeram locais turísticos como alvo parecem apenas provar a resiliência da cidade determinada em conquistar o futuro apesar de (por causa de?) todas as suas contradições.

Nada parece fazer dissipar o poder de atracção de Bombaim, onde todos os dias desaguam milhares de pessoas, de todas as partes da Índia, de diversas etnias, religiões, tradições, falando uma multidão de línguas. É o que contribui para fazer de Bombaim a cidade fascinante que é, um caleidoscópio de cores, cheiros, sabores e texturas, entre imponentes arranha-céus e infindáveis bairros de lata - os slums que o filme Slumdog Millionaire ("Quem quer ser bilionário?") pôs na boca do mundo e que, como consequência, se tornaram atracções turísticas.

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