Então vai ser assim? Parece que sim, porque há uma seta junto ao aviso que indica que a Rota de Cares é mesmo por ali. Que Caín, onde vamos parar para almoçar, antes de regressarmos, pelo mesmo percurso, fica a 12 quilómetros e que devemos demorar uma três horas a lá chegar.
Começamos a subir, pensando que o senhor Freitas bem nos enganou com a história do "planinho". E que aquela malta com ar de ter mais de 50 vai equipada com paus e bastões para os ajudar a caminhar e tem ar de quem faz isto umas três vezes por mês, com uma perna às costas. Ainda assim, subimos. E, no primeiro troço do caminho, não vamos mentir, sobese um bom pedaço. Arfamos e arquejamos, tiramos rapidamente o impermeável, porque, afinal, não chove e já estamos cheios de calor, empurramos o corpo para a frente e tiramos a camisola polar, porque já não a aguentamos.
O vale, aqui, é aberto. Há flores coloridas e selvagens pelo caminho estreito, que rapidamente deixa de ser de pedra para se transformar em terra batida salpicada de pedras soltas. O rio Cares é um fiozinho de água lá em baixo. O nosso grupo, já incompleto, de 41 pessoas (algumas senhoras optaram por ir passear para Bulnes e Cabrales, em vez de vir suar e esfalfar as pernas como nós) começa a partir-se logo neste primeiro trecho. Há quem se adiante e quem fique bastante para trás. E há outras pessoas no trilho.
Cruzo-me com um casal britânico, de cabelos brancos e mãos dadas, que parou para descansar. Olham para a minha t-shirt de Machu Picchu e perguntam alegremente se lá estive. Sim, sim, confirmo. E eles? Também. E fizeram o trilho de quatro dias a pé, naquela altitude insuportável? Pois claro que sim. Eu não, rio-me, enquanto penso, pronto, lá desiludi os senhores, convencidos que tinham encontrado uma companheira andarilha. E vou-me embora, envergonhada, deixando-os para trás. A verdade é que só quero chegar depressa ao fim desta subida, porque todos me prometem que, depois, o trilho é, de facto, quase plano e muito mais fácil.
Aqui, a paisagem é de montanha pura, rugosa e nua. As paredes escarpadas sucedem-se umas às outras, cinzentas, e a vegetação é esporádica e muito rasteira. Quase como uma película fina que cobre pequenos trechos da rocha. Sob os nossos pés, o caminho está coberto de pequenas pedras soltas, que resvalam a qualquer descuido.
E temos a primeira visão da levada que nos há-de acompanhar ao longo do trilho às vezes numa cota inferior à nossa, outras vezes sobre as nossas cabeças, outras invisível aos nossos olhos, mas sempre lá. Quando está tão próxima que lhe podemos tocar, há avisos de perigo, por "águas rápidas", e sentimos, de facto, que aquele caudal poderoso, profundo e veloz seria capaz de nos arrastar montanha abaixo num abrir e fechar de olhos.
Depois da subida, há logo uma descida. Que não nos deixa muito sossegados, porque parece mais longa do que a subida e sabemos que no regresso a posição se inverte e teremos de a galgar já com as pernas muito mais cansadas. Um grupo de espanhóis com crianças trota à nossa volta e sentimos calafrios ao ver os miúdos saltitarem para uma rocha que se debruça sobre o desfiladeiro, oferecendo uma vista do Cares, se espreitarmos sobre a sua borda. Mais uma descida e, finalmente, abre-se aos nossos olhos o tal caminho plano, serpenteando ao longo do desfiladeiro, colado à parede rochosa de um lado e aberto sobre as encostas escarpadas do outro.