Fugas - Viagens

Patrícia Carvalho

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A pé pelos Picos da Europa

Dizem que lá em cima a vista é deslumbrante. Não sabemos. O topo da montanha, onde o teleférico pára e que por isso se chama El Cable, está coberto de nuvens corredoras que deixam ver um ou outro pico, escondendo-o em seguida, ocultando o solo que deixámos há escassos minutos.

Lá em baixo, estávamos a 1070 metros de altitude. Estamos a 1823. Quando tivermos cumprido o percurso previsto e chegarmos a Espinama, teremos vencido um desnível de 1048 metros. Quase sempre a descer. Entre as Astúrias e a Cantábria, mas sem fronteira que nos indique onde termina uma e começa a outra.

A rota que vamos percorrer, denominada Puertos de Áliva, mostra-nos um lado completamente diferente dos Picos da Europa. Nada de desfiladeiros enrugados e estreitos, com rocha dura e rios longínquos. Estamos em território de vastos prados do alto de montanha, com tapetes de verde fresco, percorrido por cavalos selvagens, vacas de aspecto sadio e algumas cabras. Há restos de neve presos nos topos das montanhas, o que serve aos mais experientes para relembrar outros trilhos feitos no zona, com um manto branco e gelado a cobrir tudo.

Aqui, começamos por subir um pouco (nunca acreditem quando vos dizem que "é tudo planinho" ou "é sempre a descer"). As nuvens mantêm-se nos cumes, mas libertam o espaço em torno de nós e temos, quase sempre, o céu azul por companhia. Passamos pelo rosto sério do pico Peña Vieja, que não nos atreveríamos a tentar subir, e começamos a descida suave que nos há-de levar ao Hotel Áliva. No meio do verde cristalino, o telhado vermelho do Chalet Real (não consta que algum rei lá tenha ficado desde a visita de Afonso XIII, em 1912, para caçar rebecos) destaca-se como uma flor no meio da relva.

O edifício foi construído pela Real Companhia de Minas Asturianas, para servir de base aos engenheiros das minas, quando estas aindafuncionavam. Hoje, ao que se sabe, está fechado. Não nos aproximamos dele, mantendo-nos no trilho que o contorna, à distância, colocando-nos lado a lado com os cavalos selvagens e encaminhando-nos para o hotel. Artur já brincara muito com os cavalos selvagens, ao longo do percurso, dizendo a algumas companheiras de viagem: "Veja lá, não lhes faça festas que eles mordem." Não mordem. Todos querem tirar uma foto com os cavalos e eles não deixam que as pessoas se aproximem em demasia, mas também não desatam em fugas desenfreadas.

A caminhada, que começara às 13h40, vai continuar até às 16h34 (para mim), mas para já é tempo de parar na pousada e comer qualquer coisa. Não fosse o cansaço acumulado do dia anterior e o percurso até agora seria um belo e fácil passeio através de uma paisagem que mais nos faz lembrar a Suíça. Depois do descanso, continuamos, em direcção a mais cavalos, vacas e ovelhas. Há muitas pessoas no percurso, mas nada que se assemelhe aos meses de Julho e Agosto (fomos em meados de Junho), quando milhares de pessoas trilham osPicos da Europa.

A difi culdade real do caminho só se manifesta quando passamos uma espécie de portão de acesso aos prados e nos aproximamos dos Invernales de Iguedri, as antigas casas usadas pelos pastores no Inverno, à semelhança dos nossos brandeiros, e que hoje estão praticamente abandonadas. A partir daqui, o nível da descida acentua-se e as dores nos joelhos crescem. Os pés querem deslizar para a frente nas botas, se estas não estiverem bem presas, e os dedos começam a doer, pela força do impacto constante. É uma tortura, apesar de a paisagem continuar linda, e só queremos ver o fim do caminho.

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