Fugas - Viagens

Patrícia Carvalho

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A pé pelos Picos da Europa

A parte mais plana do trilho recebe-nos com um dos sinais de perigo pelo desprendimento de pedras e uma espécie de toldos rochosos sobre as nossas cabeças, dos quais escorrem pingos intermitentes de água. Nesta altura já estamos completamente rendidos à beleza do local. O rio Cares corre sempre lá em baixo, e as nuvens, agora mais leves, continuam a fazer aparecer e desaparecer os topos das montanhas. O tempo acabou por estar perfeito: não chove, não faz demasiado calor, está óptimo para caminhar. Nós vamos andando sempre, sobre um caminho que às vezes permite seguir a par com algum companheiro e outras vezes nos obriga a seguir em fila indiana, porque a borda está demasiado próxima.

Sob arcos abertos nas rochas ou verdadeiros túneis de onde escorre água, que se acumula no chão e nos obriga a enfi ar os pés em poças frescas. Andando sempre. Sem darmos conta, deixamos a província das Astúrias e entramos na de Leão, à qual já pertence Caín. Um guia turístico famoso diz que seguir a direcção Poncebos-Caín permite "guardar o melhor para o fim". Percebemos o que quer dizer. A paisagem torna-se mais suave. As escarpas calcárias continuam lá, mas há mais verde.

Verdadeiros prados encavalitados nas paredes inclinadas. Uma queda de água. Rebecos saltitantes. Flores amarelas, brancas, rosa e violeta por todo o lado. Pontes que nos levam a cruzar o Cares de uma margem para a outra.

O rio que, sem sabermos como, de repente já não parece estar a centenas de metros de distância, mas apenas a algumas dezenas, e agora está mesmo ali ao lado e até podemos descer e molhar os pés. O desfiladeiro a tornar-se tão estreito que é como uma fenda aberta na rocha. E, depois, a desaparecer perante os nossos olhos, com o Cares a correr ao nosso lado e uma placa que diz que ali começa o trilho. Vemos uma ponte e pouco mais.

Arlindo, que se juntou a mim e a Licínia na última parte do caminho, brinca: "Vamos lá fazer os últimos 20 minutos." Estou tão cansada que acredito que ainda faltam 20 minutos para chegar a Caín, mas ao mesmo tempo penso se já só faltam 20 minutos para chegar a Caín. E então cruzamos a ponte, passamos por um pato, por gatos a apanhar sol e temos casas e um restaurante e uma esplanada com bancos corridos para nos sentarmos. E Caín, afinal, já é aqui. São 13h50. Demoramos mais 20 minutos do que as três horas previstas. Não é muito mau.

Somos assolados por sentimentos contraditórios. O alívio por ter chegado e podermos sentar-nos e comer e descansar. A certeza de que isto não é o fim e que temos de fazer todo o caminho de regresso. A convicção de que vamos conseguir regressar a Poncebos, apesar das dores nas pernas, e que não vai ser muito mau, porque agora, a parte mais difícil a subida e a descida marcará o fim do caminho, o está quase que nos obriga a resistir.

O grupo vai chegando aos poucos. Quando já comemos e descansámos ainda há gente a chegar. Não esperamos uns pelos outros. O primeiro grupo já iniciou o regresso. Nós saímos do restaurante às 14h51. Quando já abandonámos Caín há uns bons dez minutos, cruzamo-nos com um casal do grupo que ainda se dirige para a povoação. Ela leva um ar alucinado. "Prometem que só faltam dez minutos? É mesmo isso?"

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