Fugas - Viagens

Patrícia Carvalho

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A pé pelos Picos da Europa

É a sua estreia em caminhados, e há muito que manifestara a intenção de desistir e de voltar para trás. Outros fizeram-no. Mas o companheiro insistiu sempre para que continuasse, que já não faltava muito, que era só mais um bocadinho e que valia mesmo a pena. Naquela altura, ela parecia capaz de o matar com o bastão que leva nas mãos. Mas, mais tarde, quando termina o percurso e chega à camioneta, traz um sorriso largo e caminha com ar mais normal do que muitos outros, agastados com dores musculares. E, no dia seguinte, lá estava, pronta para outra.

O regresso é mais rápido. Cumprimos o trilho em três horas. São 17h50 quando chegamos à camioneta, depois de termos feito, em silêncio e doridos, o último trecho do caminho. Primeiro a subir desgraçadamente, depois a descer, tentando não escorregar nas pedras soltas, não acreditando que aparecem uns degraus de que já nos tínhamos esquecido, e gratos, muito gratos quando a estrada de asfalto está, de novo, sob os nossos pés e a camioneta tem as portas abertas para nos sentarmos e fugirmos do vento gelado que nos acompanhou em quase todo o regresso.

O desfiladeiro ficou para trás. Com a sua beleza fabulosa e fantasmagórica e deixando-nos com um respeito imenso pelos homens que abriram, com dificuldades incalculáveis, o caminho que o acompanha. O canal de alimentação da central hidroeléctrica de Camarmeña-Poncebos foi aberto entre 1916 e 1921, por cerca de 500 homens. Perderam-se onze vidas, em diferentes acidentes. O trilho que hoje é percorrido por milhares de turistas todos os anos resulta das obras realizadas entre 1945 e 1950, para garantir a manutenção do canal aberto previamente.

Estamos mortos de cansaço, mas muito gratos pelo dia que se escoa de forma rápida. Com quase 25 quilómetros nas pernas, queremos um banho, comer e dormir.


Fonte Dé -Espinama | 10,4 km

Acordamos à mesma hora. 7h30. O descanso, o banho de água quente e o spray analgésico que o senhor Cardoso emprestou fizeram o seu efeito. Mas as pernas ainda doem e nem sequer saltamos da cama.

Hoje, garantem-nos, o caminho é sempre a descer. O que não quer dizer exactamente fácil. Qualquer caminheiro experiente é capaz de dizer que prefere subir a descer. Nunca tinha percebido porquê. Até hoje.

A distância que vamos percorrer de camioneta é bem mais longa. Quase cem quilómetros, segundo informa o motorista. Parte do percurso é o mesmo do dia anterior, mas depois seguimos viagem e, durante cerca de 22 quilómetros, o trajecto é feito ao longo do desfiladeiro da Ermida. É território de pescadores. O desfiladeiro imponente ocupa toda a paisagem e nós passamos cá em baixo, pequeninos, colados ao rio Deva, com vários avisos de zona de pesca de trutas. A paisagem é de cortar a respiração e quase desejamos que o caminho não termine.

A bonita localidade de Potes, na Cantábria, com as suas ruas medievais, é o ponto escolhido para o abastecimento de água e pão. Mas a paragem é curta (havemos de ter mais meia hora por ali, no regresso) e seguimos viagem até Fonte Dé, bem conhecida dos turistas por ser o ponto de partida do teleférico que sobe directo à parede imponente da montanha, 753 metros mais acima, em menos de quatro minutos. Há algum nervosismo entre os participantes menos dados a viagens suspensas nas alturas. Mas, com os olhos mais ou menos abertos, todos se enfiam, à vez, dentro das cabines que só levam 20 pessoas (mais o condutor) e deixam-se levar, literalmente, até às nuvens.

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