Fugas - Viagens

Em Valença as lanternas voltaram à fortaleza

Por Andreia Marques Pereira

Podia ser mais uma visita guiada à fortaleza de Valença, com a curiosidade de ser nocturna. Mas, na verdade, o que encontrámos longe das distracções diurnas foi uma aula de História com direito a momentos de viagem no tempo - e de música, que acompanhou esta ronda pela montra bélica de Portugal, em cinco andamentos.

Habituados a vê-la a fervilhar de gentes e vozes distintas, foi estranho entrar neste silêncio. Até porque é sexta-feira à noite (princípio de noite, passa pouco das 21h30) e esperamos alguma febre. Mas aqui, no largo virado para o Baluarte de Santa Ana e com a Loja do Turismo à vista, assam-se as últimas sardinhas do dia, para uma esplanada quase à míngua - ainda que com direito a música ao vivo, que só de perto parece beliscar o tal silêncio. E é nele que prosseguimos, por ruas estreitas e vazias.

Não estamos totalmente certos da direcção a seguir, porém o destino cruza-se connosco a iluminar o caminho, já à vista da ponte da Porta do Meio. Apressado, de lanterna antiga na mão, segue seguro um vulto pelo túnel da porta, qual imagem anacrónica na solidão da noite. Não soubéssemos nós ao que vamos, pensaríamos ter entrado numa máquina do tempo: o cenário proporciona-o, com as muralhas vetustas, parcamente iluminadas, sentinelas cansadas. Mas tão depressa entramos no vórtex temporal como de lá saímos. Há um carro branco, matrícula espanhola, que surge e pára a pedir indicações. 

Afinal há gente na fortaleza de Valença na noite de 22 de Julho, mas está "toda" atrás dos segredos do passado. Nós seguimos com o "homem da lanterna" que é Américo Vaz de Sousa, nascido "aqui perto" e "apaixonado por coisas antigas". A lanterna que leva na mão, sim, e também o que ela vai iluminar. As entranhas da cintura defensiva de Valença, que a autarquia decidiu dar a conhecer à noite, em visitas guiadas à luz de lanterna. Afinal, os cinco quilómetros de fortaleza, "uma das mais bem conservadas da Europa", constituem "a jóia da coroa" de Valença, dirá daqui a pouco o presidente da câmara, Jorge Salgueiro Mendes - "é essencial para o futuro" (como o foi para o passado, quando conquistar Valença significava entrar em Portugal). Esta é a segunda visita - vai concentrar-se na Coroada, a parte mais recente da fortaleza, edificação seiscentista, que vamos descobrir em duas voltas, uma pelo fosso e outra intermédia, revelará Isilda Salvador, responsável pelo Núcleo Museológico e a nossa guia esta noite - e está prestes a começar.

"Ondiñas veñen, ondiñas veñen e van..."

Primeiro é um burburinho, depois é um pequeno mar de gente. Muitas dezenas de pessoas, avaliamos, mas o número certo é impossível de aferir porque estas são visitas gratuitas: basta aparecer no Núcleo Museológico às 21h45, de preferência equipado de lanterna. Quem respondeu ao repto fê-lo a rigor e são mais os que seguram lanternas do que os que estão de mãos vazias. À primeira vista, vemo-las todas como as de Américo, também elas saídas de outro tempo, e a explicação descobrimo-la quando espreitamos o interior do Núcleo Museológico. Há uma vasta mesa com lanternas de vários tamanhos e feitios para emprestar, cortesia de António Teixeira, o "Cómico", antiquário que também cedeu as peças da exposição que está em nosso redor,Valença e a Metrologia ("São pesos monetários, com que se pesavam as moedas de ouro, portugueses e espanhóis", explica, entusiasmado). As lanternas estão, portanto, na moda esta noite, as antigas, os "boieiros", a petróleo, as modernas de luz branca. Destaques: a lanterna de igreja, do século XIX, no topo de um varão setecentista, e a lanterna de coche francesa, agora nas mãos de uma mulher.

--%>