Duas décadas depois, já não viaja muito sozinho - os compromissos profissionais assim obrigam - mas mantém a mesma mochila de sempre, "um fetiche", que o acompanhou enquanto enchia passaportes atrás de passaportes. Por estes dias tem um quase novo no bolso. Os carimbos da sua estadia estival de três meses na Ásia são ínfima parte dos que atestam a sua passagem por "entre 90 ou cem países" - "há muito que não faço essa contabilidade". A compulsão pelas "cruzinhas" ("está visto, está visto") nunca a teve e certamente nunca teve a ambição de conhecer todos os países do mundo. Há tantos países onde não lhe interessa ir como aqueles que já visitou. E a muitos dos quais volta regularmente. Para Gonçalo Cadilhe, regressar aos lugares "é a melhor parte das viagens": a sensação de experienciar um lugar aos 20 anos e voltar aos 40 ajuda a perceber o que "maturidade significa" e há a necessidade de "recuperar pessoas", no "sentido físico de as abraçar", de "alimentar amizades".
Não se lembra bem de quais eram os sítios que queria mesmo conhecer quando começou a viajar, mas sabe que foram influenciados pelas leituras de criança sobre grandes civilizações mundiais. "Sei que, por exemplo, as pirâmides dos maias faziam parte do meu imaginário", recorda, "creio que comecei um pouco por esses lugares". Ainda hoje, um impulso que o move é a curiosidade em conhecer o que chama de "lugares fundamentais da geografia e da humanidade", como são, para si ("a importância é subjectiva"), por exemplo, o Estreito de Magalhães, o Cabo de Sagres, ou o Khyber, desfiladeiro no Afeganistão que separa a Ásia Central do subcontinente indiano.
Estes, já os conhece todos. "Muito daquilo que me despertava a curiosidade, já vi, já regressei", reconhece. Já não sente compulsões do género "ainda não fui e estou ansioso por ir", afirma, o que não é o mesmo que ter a "pretensão" de dizer que já viu tudo o que lhe interessava. Porém, assume, neste momento interessa-lhe mais "manter uma certa coerência na carreira profissional de viajante". Tal significa que cada novo passo deve ser uma mais-valia em relação ao anterior. "Estou sempre a responder ao que me estimula e cada viagem deve acrescentar algo, quer a nível de livros, para que o leitor não sinta que está sempre a ler a mesma coisa, quer a nível pessoal, para que possa olhar para o que ando a fazer e sentir que estou a avançar na direcção que me interessa, mesmo que muitas vezes não seja uma direcção imposta por mim."
Se não fosse viajante profissional, Gonçalo Cadilhe não abdicaria do "prazer" que são as viagens. Fá-lo-ia, porém, "com muito cuidado" - "pouco, mas muito bem". E viajar bem, explica, é "saber, por exemplo, qual o período ideal para ir a um lugar, jogando com o clima, mas também com o fluxo turístico". Sendo profissional, não vê as viagens como um emprego - e não necessita de férias. "A minha vida está tão adaptada, como uma luva, ao que eu sou, ao que eu gosto de ser, que não consigo fazer uma distinção entre trabalho e férias."