Fugas - Viagens

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De bicicleta por onde antes passava o comboio

Por Raposo Antunes

Não houve contra-relógios nem nenhum dos dois lutou pela camisola amarela. De Valença a Évora, foram oito dias a pedalar, com muito suor, algum sangue (de pequenas quedas), mas sem lágrimas. Antes pelo contrário: houve sobretudo muito prazer em descobrir alguns segredos que só os antigos utentes das linhas de comboio já fechadas deviam conhecer. Aos seus lugares, partida!

Não foi por nostalgia dos comboios que deixaram de circular nas linhas encerradas nas três últimas décadas pela CP que decidimos percorrer de bicicleta as chamadas ecopistas entretanto instaladas naquelas vias. Numa altura em que todos os dias há notícias sobre a abertura de pequenos troços de ciclovias em percursos urbanos, nos quais é difícil o "convívio" seguro entre automóveis e bicicletas, fomos à procura de trajectos onde se possa pedalar em segurança sem o perigo desse "convívio". Nada melhor do que essas antigas linhas de caminho-de-ferro para cumprir o objectivo. Com várias vantagens sobre os percursos urbanos para bicicletas e peões que as autarquias vão construindo nas cidades. Poder pedalar livremente dezenas de quilómetros, sem interrupções, queimando calorias, usufruindo da natureza, dos rios, das montanhas e dos bosques, com uma sensação de liberdade que as cidades não permitem.

A partir do site da Refer percebemos que, das linhas encerradas pela CP, 10 delas têm ecopistas. Seleccionámos as seis que, pela sua extensão, mais se adequavam aos nossos objectivos. Andámos 40 quilómetros sempre junto ao rio Minho, com a Galiza na outra margem, entre Valença e Monção. Percorremos cinco dezenas de quilómetros no vale que corre entre as serras do Alvão e da Padrela, na linha do Corgo. Subimos as serras de Moncorvo a Carviçais, no Nordeste transmontano. Cruzámos vinhas sobre vinhas na região do Dão. Aproveitámos as sombras do montado de sobreiros para refrescar do calor alentejano.

Além das viagens pelas ecopistas assentes nas antigas linhas de caminho-de-ferro, fizemos ainda mais dois percursos: um que só é possível efectuar em BTT (bicicletas todo-o-terreno), entre Ponte de Lima e Ponte da Barca, todo ele assente num antigo caminho de terra que ligava aquelas duas vilas do Alto Minho; o outro na região de Mira, junto a lagoas, moinhos e sempre no meio de bosques, com o piso todo alcatroado, com as características que permitem um calmo passeio familiar de fim-de--semana. Enfim, foram oito dias a pedalar, com muito suor, algum sangue (de pequenas quedas), mas sem lágrimas. Houve sobretudo muito prazer em descobrir alguns segredos que só os antigos utentes das linhas de comboio já fechadas deviam conhecer.

O primeiro desses segredos chegou a ser consagrado numa velha canção popular da década de 60 do século passado. Vejam lá, há mais de 50 anos - "O comboio vai a subir a serra/ parece que vai mas não vai cair". Na verdade, por estranho que possa parecer, a engenharia ferroviária foi também uma das razões que nos levou a escolher as ecopistas para esta Volta a Portugal. A regra básica de segurança para construir linhas de caminho-de-ferro nos percursos em via estreita (todos aqueles ramais que atravessam as regiões montanhosas no Norte e Centro do país) era que o traçado não podia ter inclinações superiores a 2%, ou seja, só podia subir 20 metros em altitude ao longo de mil metros de extensão. Só para ter uma pequena ideia do que isto significa, numa etapa alpina na Volta à França Alberto Contador e companhia têm pela frente frequentemente montanhas com inclinações médias de 10 e 12%, com troços muitas vezes que chegam a atingir os 25%. Traduzindo em miúdos - sobem 250 metros de altitude em 1000 metros de percurso. Por isso, o leitor já sabe: se decidir seguir o nosso conselho para dar umas pedaladas numa destas ecopistas, vai suar, seguramente, mas nunca terá pela frente nenhum Tourmalet.

Afastado esse receio, convém esclarecer que as ecopistas assentes nos antigos canais ferroviários foram já construídas na primeira década deste século. Não pela própria Refer, que chegou a admitir a constituição de uma empresa para esse fim (isso no tempo das "vacas gordas"), mas sim pelas autarquias cujo território é atravessado pelas linhas. Alguns destes percursos já dispõem de zonas de apoio (normalmente localizadas nas antigas estações de caminho-de-ferro), outros ainda estão em fase de execução. Independentemente da existência ou não desses "pormenores" - casas de banho, pontos para abastecimento de água, etc. -, todo o percurso está tratado. Nalguns casos é mesmo todo alcatroado, noutros é em terra batida ou saibro. Mas, mesmo assim, não é aconselhável o uso de bicicletas de corrida (tipo Contador), já que pode haver sempre pequenos desabamentos de terra a sujar o alcatrão, ramos e frutos de árvores, que só são facilmente ultrapassáveis por bicicletas para todo o terreno ou mesmo por bicicletas de passeio com pneus mais largos. c

Sugestões à parte, há também um lado pitoresco que acabamos por reviver e que é também um dos segredos desta Volta a Portugal - a história do encerramento de algumas destas linhas da CP. A mais trágica é seguramente a do Sabor. Quando a empresa ferroviária decidiu fechar a via que ligava a estação do Pocinho (no rio Douro) a Duas Igrejas (uma pequena aldeia do concelho de Miranda do Douro), a revolta da população no Pocinho foi tal que houve confrontos com elementos vindos do Porto do batalhão da GNR a cavalo, de sabre em riste, com feridos e sangue pelo meio. Ao mesmo tempo, a população de Miranda do Douro ocupava as instalações das barragens portuguesas no Douro Internacional para impedir a produção de energia hidroeléctrica. A ameaça resultou e a CP acabou por recuar, mas apenas durante alguns meses. Estávamos no final da década de 70 do século passado.

Mais ou menos na mesma época, os grandes proprietários agrícolas do Alentejo, que tinham visto Salazar expropriar as suas terras umas décadas antes para construir ali o ramal ferroviário entre Montemor-o-Novo e a Torre da Gadanha, decidiram ocupar a linha de caminho-de-ferro - quando esta foi fechada, também nos anos 80 - para "reaver" essa franja de terreno que lhes atravessara as propriedades ao meio.

Mas a história mais curiosa ainda está em curso. Na semana passada, as câmaras de Famalicão e Póvoa de Varzim anunciaram pela enésima vez a transformação da linha entre estas duas cidades numa ecopista. Na verdade, o troço no concelho de Famalicão já é utilizado pelos cicloturistas há vários anos, uma vez que a autarquia já o adaptou para esse fim. O problema é quando a linha passa para o concelho vizinho: pura e simplesmente desaparece no meio de um extenso e verdejante campo de milho.  Pedalemos, então, de Norte a Sul do país.


1. Valença - Monção
A Torre de Belém do Alto Minho

António Martins Gonçalves tem a chave do maior segredo da ecopista Valença-Monção. E a chave é aqui mesmo no sentido literal do termo. António, pouco mais de 40 anos, é o dono de um dos seis barcos que, na Torre da Lapela (uma freguesia localizada a meio do percurso), se dedica à pesca do sável, da lampreia e do salmão no rio Minho, entre Janeiro e Maio. "Numa localidade com pouco mais de 200 pessoas, somos cerca de 20 pescadores. Mas isto não dá para viver o ano inteiro", conta.

Se dá ou não, não sabemos. Certo é que, além do barco, este pescador das poucas espécies que ainda sobem o rio é também o proprietário do único café da freguesia. E foi certamente por isso que lhe entregaram a chave da torre de menagem sobranceira ao rio que suporta o nome da localidade. "Sempre que alguém quer subir à torre e vê-la por dentro tem de vir aqui pedir a chave", sublinha.

E vão muitos, pois a Torre da Lapela é conhecida e referida nas monografias locais como a Torre de Belém do Alto Minho por causa da sua localização e imponência. Basta ler o placard que os Monumentos Nacionais lá colocaram para ficar a saber a história desta torre e da pequena localidade. "A modesta povoação fazia parte da cortina defensiva da fronteira a Norte de Portugal. Foi dotada de um castelo, cuja fundação é atribuída ao reinado de D. Afonso Henriques. O castelo foi demolido por D. João V (em 1506) para auxiliar à construção da praça-forte de Monção. Ficou então sozinha a torre de menagem", dizem os historiadores, desfecho contado agora por todos os habitantes que, mal vêem alguém a rondar a torre, de imediato encaminham para o café de António, "o homem que guarda a chave".

Sempre paralelo ao rio Minho, o percurso da antiga linha de caminho-de-ferro tem agora alcatrão em vez de carris. "Passa ao lado de pequenas ínsuas, ilhotas e pesqueiros. As margens albergam matas, juncais, pinhais e carvalheiras", pode ver-se e ler-se nas placas colocadas junto a pequenas áreas de descanso que foram construídas ao longo da ecopista. Mas entre Valença e Monção há ainda mais dois segredos: as praias fluviais dos rios Manco e Gadanha, que obrigam a pequenos desvios. Quando a Fugas por lá passou, dois grupos de jovens banhavam-se nas águas cristalinas do rio Minho. "É o que temos", diziam, numa espécie de nostalgia de fim de férias escolares. E já não é pouco.


2. Ponte de Lima - Ponte da Barca
Jogar a petanca em vez de pedalar

Fazer uma espécie de Volta a Portugal das ecopistas e não cumprir o percurso entre Ponte de Lima e Ponte da Barca por um antigo caminho de terra que ligava estas duas vilas sempre junto ao rio Lima poderia ser considerado um pecado grave. Não pecámos. Mesmo sabendo que estávamos a desvirtuar o sentido deste trabalho, que estava centrado nas antigas linhas de caminho-de-ferro que foram, entretanto, encerradas.

E ainda bem que não pecámos. Na verdade, esta é "a" ecopista. Só é possível percorrer o seu traçado numa bicicleta todo-o- terreno. E, sobretudo, é preciso suar muito. Talvez por isso, não nos cruzámos com um único cicloturista. Seguramente que ao fim-de-semana e em férias o trajecto deve ter muitos clientes. Há, aliás, em Ponte da Barca uma empresa de turismo (Aktivanatura) que aproveita aquele traçado não só para o cicloturismo, mas para outras actividades mais radicais, como o river trekking, a canoagem ou percursos a cavalo pelos montes da região. "São sobretudo estrangeiros", afirma um dos sócios da empresa.

Faltam ciclistas, mas a ecopista tem outros segredos. O lugar mágico é aqui um local conhecido como os Moinhos da Gemieira e o parque de lazer com o mesmo nome existente a algumas centenas de metros. Ambos já foram descobertos há muito tempo. Uma vez por semana, um grupo de seis mulheres dos Arcos de Valdevez percorre a pé uma parte do traçado, acabando tudo numa almoçarada num pequeno café chamado Moinhos da Gemieira, almoços e petiscos regionais. Não vale a pena contar o resultado final desse repasto, basta conhecer um pouco da cultura minhota para saber antecipadamente como tudo acaba - em festa.

Mais invulgar é sermos confrontados com um grupo de sete homens - quase todos reformados, na casa dos sessenta anos e oriundos das Caldas das Taipas (vila do concelho de Guimarães, localizada a várias dezenas de quilómetros) - a jogar a petanca. Sim, uma coisa esquisita em que se lançam pequenas bolas umas contra as outras e que, supostamente, tem a sua origem na região das catalunhas espanhola e francesa. Não, não eram emigrantes. "O pretexto é vir para aqui pescar truta. Mas agora até é proibido", conta Alberto Oliveira, 63 anos, reformado de uma fábrica de cutelarias de Guimarães, enquanto vira as costeletas de vitela e de porco e os enchidos de sangue que assavam nas brasas a aguardar o fim do jogo. Ciclistas? "Nem vê-los. Só passaram aqui umas mulheres a pé", acrescenta. Está visto que deviam ser as mesmas da almoçarada nos moinhos.

Propriamente sobre o percurso, fique o leitor a saber que se perderá de amores por ele. Tal como nós. E perderá calorias, terá de levar água, alguns alimentos, câmaras de ar para os furos - e os olhos bem abertos para poder desfrutar de tudo.

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