3. Tourencinho - V. P. Aguiar - Pedras Salgadas
A ecopista das torres eólicas
De regresso às linhas de caminho de ferro encerradas pela CP, a ecopista do Corgo é uma espécie de "dois-em-um". Traduzindo: há um troço com cerca de seis quilómetros, todo alcatroado, que desce de Vila Pouca de Aguiar para a estância termal das Pedras Salgadas. Descontando a subida de regresso, este trajecto com o piso tratado pode proporcionar um "histórico passeio de família" até aos gloriosos tempos do casino das Pedras Salgadas, dos seus jardins e bosque, do minigolfe e do seu lago com gaivotas.
É certo que essa suposta família já não reviverá a mesma paisagem de então. Agora nesta espécie de pequeno vale entre as serras da Padrela e do Alvão o topo dos montes já não é o mesmo. Do lado do Alvão, corre lá por cima a auto-estrada entre Chaves e Guimarães. Do lado da Padrela, há uma linha contínua de torres eólicas. Abstraindo as "feridas" na paisagem, o passeio até Vila Pouca e Pedras é agradável. "Até de mais", comenta Nuno Sousa, 36 anos, um emigrante que recentemente regressou de Lausanne, na Suíça, e que explora agora a renovada casa de chá do parque das Pedras Salgadas.
"Não faz sentido ter a ecopista só até aqui. Existe um caminho em terra para a serra da Padrela que depois passa pelas minas romanas de Jales [dedicadas à exploração de ouro] que só precisa de ser marcado para as pessoas não se perderem", relata. E conta a sua própria experiência. Como natural daquela região (Jales), Nuno Sousa manifestou-se disponível para servir de guia nesse percurso a um grupo de 49 suiços que queria dar por ali uma volta. Só não o fez por ter medo que alguns dos cicloturistas se perdessem por não haver sinalização. "Gastam dinheiro a arranjar estradas que ligam a campos agrícolas que já ninguém cultiva. E para pôr umas placas, nada [já não há dinheiro]", critica.
Independentemente do prazer que o percurso sugerido por Nuno Sousa deveria proporcionar, na verdade a ecopista do Corgo não acaba nas Pedras Salgadas. Basta regressar a Vila Pouca para perceber por que razão dizemos que estamos a falar de um traçado que é uma espécie de "dois-em--um". A ligação entre esta vila e Tourencinho (já a caminho de Vila Real), com o traçado em terra batida, buracos e sulcos que as chuvadas foram abrindo, não proporcionaria a paisagem do troço até às minas de Jales, mas faria seguramente subir a adrenalina dos suíços. Na verdade, este percurso só é acessível a bicicletas para todo-o-terreno, ou seja, está vedado às famílias em passeio até às Pedras Salgadas a que aludíamos no início do texto. É a versão radical da ecopista do Corgo. Tão radical, tão radical que os últimos quilómetros da antiga linha de caminho-de-ferro desapareceram e são agora uma das ruas - com casas de um lado e do outro - da própria aldeia de Tourencinho.
4. Moncorvo - Carviçais
Aconteceu no Nordeste
O título desta peça obriga a uma curta explicação. Pelo menos para aqueles a quem o nome de Sérgio Leone não diz nada. Trata-se de um realizador italiano que, na sua obra cinematográfica, assinou vários westerns, entre eles um intitulado Aconteceu no Oeste, cujo início era um plano de uma mosca a zumbir à volta do bigode de um cowboy que aguardava a chegada de um comboio numa estação do Oeste norte-americano.
Uma réplica dessa estação, do depósito de água, da torneira gigante para encher as locomotivas dos comboios, da luz e da cor da paisagem foi o que encontrámos ao longo dos 26 quilómetros e das estações abandonadas na ecopista da linha do Sabor entre Moncorvo e Carviçais. A cor da paisagem do faroeste era dada pelo sol a brilhar no saibro amarelo da antiga linha de caminho de ferro. A recriação do ambiente westerniano era também proporcionada pelas águias e outras aves de rapina que se iam levantando enquanto pedalávamos por um antigo canal ferroviário rodeado de gestas e de outra vegetação rasteira.
À chegada a Carviçais, ainda não tínhamos peça, mas já tínhamos título: Aconteceu no Nordeste. E aconteceu mesmo. Esta ecopista é, na verdade, aquela que permite fruir verdadeiramente da natureza. Somos só nós e as bicicletas. Nada mais. Não há vivalma. Ouvem-se as folhas das árvores a cair e o barulho das bolotas a serem esborrachadas pelos pneus das bicicletas. A excepção a este silêncio e a esta paz é a estação de Larinho (até o nome remete para o Oeste americano), transformada num pequeno café, provavelmente o único da aldeia, com o sugestivo nome Al-Pistta. De paragem obrigatória.