Fugas - Viagens

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Petra: Era uma vez uma rosa no deserto

E desta forma, ainda que tão superficial como muitos dos turistas perscrutam Petra, teve o privilégio de ser o primeiro europeu a poisar um olhar em alguns dos seus monumentos mais emblemáticos. Ao longo dos tempos, outros exploradores foram bebendo desta imponência e os seus relatos, desenhos e descrições, mais pormenorizados do que os apontamentos que Johann Ludwig Burckhardt pode recolher por força do zelo dos vigilantes da cidade, exibiram ao mundo um lugar que superava todas as expectativas iniciais.

O Tesouro

Como um rio a caminho do mar, o desfiladeiro, originalmente um bloco unido e mais tarde dividido por forças tectónicas, serpenteia e desemboca subitamente e como que por magia numa visão sublime, inquietante, bela e enigmática. Ali à nossa frente, esculpida nas paredes rosadas, imponente e tão apaziguadora da alma, está a mãe de todos os monumentos de Petra, o Tesouro.

O resplendor que irradia da sua elegante fachada e das suas colunas desvincula-me do mundo e envolve-me nas brumas de outra época, naquele eco do passado que soa como uma melodia. Permito que o olhar se fixe naquela rosa tão antiga como o tempo, para utilizar as palavras sábias do poeta escocês Dean Burgon, e gozo daquela indolência tão doce até ser assaltado por um único pensamento que deixo assomar aos lábios em voz alta:

- Depois de ver Petra já posso morrer.

O mais emocionante dos monumentos da cidade dos Nabateus, de clara influência helenística, foi talhado, de alto a baixo, numa única pedra no século I antes de Cristo e é um dos mais bem conservados num total de mais de 800 dispersos por uma área de quase 80 km2. Construído para servir de túmulo ao rei Aretas III e não para guardar um fabuloso tesouro escondido por um faraó egípcio, como se chegou a especular durante anos, o Kahzneh revela, entre tantos pormenores, uma estátua central que continua a ser fonte de controvérsia: alguns estudiosos acreditam que é uma assimilação da grande deusa egípcia Isis e da deusa nabateia Al-‘Uzza, enquanto outros defendem que se trata de Tyche, a deusa romana da sorte. Num plano inferior, surge o escudo de Petra, com a sua serpente, um símbolo da reencarnação, bem como um escorpião, que representa a morte.

- Precisa de um Ferrari?

O beduíno, sentado no chão onde a sombra se espalma, retira-me da minha preguiçosa meditação e provoca-me um sorriso quando cravo olhar no burro que tem como companhia. De repente, a atmosfera enche-se vozes e de rostos fascinados com aquela primeira impressão provocada pela visão do Tesouro. E o sonho dá lugar a um pesadelo quando a turba se precipita para a entrada onde se destacam as seis colunas com capitéis com motivos florais. Agora sob o fundo azul de cobalto do céu de um dia que se anuncia repleto de esplendor, prossigo na minha errância, uma vez mais numa quietude sonhadora, através da Rua das Fachadas, com os seus túmulos e casas construídas pelos Nabateus.

À distância, ostentando toda a sua beleza harmoniosa no momento em que recebe os raios dourados do sol, avista-se o anfiteatro cuja visita prefiro adiar para o final da tarde. Sentados nas bancadas, no meio daquela imponderável luminosidade, pai e filho parecem exprimir prazer com as suas brincadeiras e as fotografias que se encarregarão de perpetuar as memórias no instante em que as convocarem, memórias daquela cidade perdida que tanto os parece seduzir.

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