- O meu tio-avô, Hugh Rooney, trabalhou nos estaleiros da Harland and Wolff, na construção do Titanic - enfatiza Martin McGuinness, número dois do executivo de Belfast e anterior candidato às presidenciais pelo Sinn Féin, antigo braço político do IRA, agora inactivo.
A fita azul é cortada por Martin McGuinness e pelo primeiro-ministro, Peter Robinson, inaugurando oficialmente o Titanic Belfast, obra desenhada por Eric Kuhne que demorou seis anos a ser concluída e que teve um custo de 97 milhões de libras (aproximadamente 120 milhões de euros).
Eu desvio-me um pouco daquele cerimonial, até uma parte lateral, sentando-me num banco ao lado de uma senhora que parece meditar de olhos postos naquela jóia arquitectónica.
- Não, não vou entrar. Vim aqui apenas pela curiosidade. Foi precisamente neste lugar, antigamente uma doca seca, que construíram o Titanic. Há 22 anos, trabalhei aqui próximo, naquele edifício que se vê ao fundo (nas traseiras do Titanic Belfast), na altura um armazém de móveis, o Upholstery Department, e passava aqui quase todos os dias de autocarro.
Joan Boyd, 80 anos, desvia os olhos dos meus olhos e pousa-os novamente naquela espécie de Ópera de Sydney. Já não tanto pela curiosidade mas mais para esconder uma lágrima que lhe assoma às pestanas.
- Peço desculpa, este é um momento que me provoca uma profunda nostalgia. Desculpe - desabafa Joan Boyd, antes de me falar um pouco da sua vida solitária, sem marido, sem filhos, apenas próxima de uns primos afastados.
Construção
O sol lança os raios estilhaçados sobre aquele gigante de prata em cujo interior a alegria dos primeiros visitantes e o sorriso de mulheres vestidas como na época, no início do século passado, contrasta com a tristeza de Joan Boyd, que acabo de deixar mergulhada na sua melancolia e em recordações agridoces. Um mar de gente, revolto, acotovela-se na loja das recordações, no piso térreo, ao lado do restaurante, e sofre nova onda de agitação quando a música gospel inunda aquele espaço e transporta o presente para o passado. A primeira sensação, que apenas se desmorona no primeiro andar, na antecâmara de entrar no museu interactivo, remete-me para um barco, como se também eu, num período diferente, me preparasse para uma viagem a bordo do transatlântico que é - e provavelmente continuará a ser por muitos anos - a maior lenda da história marítima.
- Esperamos receber, só no primeiro ano, mais de 400 mil visitantes -, confidencia uma das jovens responsáveis pela imprensa, representada em bom número e vinda das mais distintas proveniências.
Olho a fila que enche parte do hall, serpenteando por aqui e por ali, e deixo-me conduzir pelas escadas rolantes para obter uma panorâmica daquela gente aparentemente tão elitista mas que se move sem qualquer pretensiosismo, como se estivesse no Mercado de St. George e não tomando parte num acontecimento histórico que esgotou a lotação de muitos dos hotéis de Belfast.
Sinto que a viagem vai começar, uma viagem futurista que não despreza o passado e que começa por me mostrar, na primeira galeria, retalhos da vida da próspera Belfast há cem anos. Logo reconheço a Torre do Relógio, mais conhecida por Albert Memorial Clock Tower, erguida em 1867 em homenagem ao falecido marido da Rainha Victoria, a mesma torre por onde passara, no dia anterior, no extremo leste da High Street, interpretando a sua inclinação para sul - a Torre de Pisa não tem o exclusivo - como se de uma vénia à minha pessoa se tratasse. Perscruto os lugares e os sons de uma cidade então virada para a indústria, com uma população que ascendia a 400 mil habitantes, contra os apenas 25 mil no início do século XIX - e os números são ainda mais relevantes se pensarmos que o país viveu em declínio durante meio século, devido à fome da batata e à consequente emigração, a maior parte tendo os Estados Unidos como destino.