Este crescimento demográfico ficou a dever-se, em larga escala, ao advento da indústria e especialmente da indústria naval, um boom que atraiu dezenas de milhares de católicos irlandeses do mundo rural - e se em 1784 não constituíam mais de 8% da população, em 1911, ano do lançamento do Titanic, a percentagem triplicara, motivando uma tensão entre católicos e protestantes que foi sendo exacerbada até aos acordos de paz em 1998.
Aos mais desatentos pode parecer que nada tem a ver para o caso. Mas tem. À minha frente, na galeria 2, desenham-se os estaleiros da Harland & Wolff, onde nasceu o Titanic, a maior entidade empregadora de Belfast nos primórdios do século passado, com 14 mil trabalhadores, três mil dos quais envolvidos na construção do transatlântico durante dois anos. Os empregados obedeciam a regras rígidas e os prevaricadores eram não raras vezes penalizados com multas - por fumarem, por aquecerem água para o chá durante as horas de trabalho (dez minutos antes do intervalo equivalia à perda de metade do que ganhavam num dia) e em locais interditos ou até por jogarem futebol com rebites - que agem como uma cola segurando toda a estrutura dos navios.
Esta última proibição, verdadeiramente bizarra, ganhou há relativamente poucos anos uma explicação que, de acordo com alguns cientistas, pode ajudar a perceber a tragédia. Para dar vida ao Titanic foram utilizados três milhões de rebites e, face aos planos colossais de construção e à carência de material, os responsáveis da Harland & Wolff foram obrigados a recorrer a pequenas fundições que tendiam a oferecer menor qualidade; ao mesmo tempo, em vez de utilizar rebites de aço, como fez a grande rival Cunnard com o Lusitânia, a Harland & Wolff apenas os usou na parte do barco onde eram esperadas maiores pressões (o corpo central), optando pelos de ferro para a popa e a proa do navio - e foi a proa que o icebergue atingiu, aventando-se a tese, prontamente refutada pelos estaleiros de Belfast, de os rebites terem perdido as cabeças, permitindo a entrada de toneladas de água gelada.
Não era fácil a vida dos trabalhadores dos estaleiros, sujeitos a condições precárias e a uma carga horária desumana num tempo em que grassava a miséria e a maior parte das mulheres se dedicava apenas a tarefas domésticas. Cada empregado tinha na sua posse um número estampado num pedaço de madeira, um cartão pessoal do tamanho de um maço de tabaco mas mais estreito. Se, por qualquer razão, um trabalhador se dirigia à casa de banho durante o horário de expediente, era abordado por um escriturário que lhe solicitava a identificação ou, como era conhecido nos estaleiros, o board. Para um aprendiz, este procedimento, no primeiro dia de trabalho, poderia parecer normal mas rapidamente assimilava a anormalidade da sua decisão quando ouvia, logo de imediato, da boca do escriturário que apenas era permitido ir aos lavatórios durante sete minutos no período da manhã e outro tanto à tarde. Nos estaleiros da Harland & Wolff, na altura a maior construtora naval do mundo, ninguém, entre a classe operária, dizia que ia à casa de banho - antes que ia aos minutos.