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Varsóvia, a capital mal-amada

Praga conserva, portanto, essa camada de fuligem, reforçada pela forte demografia de idosos e negócios de outros tempos, como peixarias e sapateiros. Noutras moradas, porém, há velhas balaustradas de ferro forjado pintadas de fresco com cores berrantes, uma data de bonecos de peluche nos nichos das santas e muitas intervenções da chamada "arte de rua" - como as fabulosas imagens inspiradas na iconografia russa ortodoxa, que o ucraniano Linas Domarakas vai pintando nas árvores mortas do bairro. Boa parte destas criações encontra-se nas imediações ou mesmo no interior de velhas estruturas industriais ressuscitadas como espaços lúdicos e isso está a converter Praga no bairro mais efervescente de Varsóvia.

Cabe destacar a Fabryka Trzciny, centenária fábrica de marmelada, ressuscitada como galeria de arte, clube de dança e restaurante em 2003 e desde então sede da movida de Praga. Outra gigantesca estrutura fabril, a destilaria Konecer, continua a produzir vodka em parte das instalações, mas nos armazéns mais antigos optou por abrir exposições, uma loja de design e uma sala de espectáculo, oferecendo a área ao ar livre entre os edifícios para festivais de Verão. Já como parte do circuito nocturno das capelinhas de Praga estão bares e clubes quase sempre com arte e música ao vivo, como o W Oparach Absurdu (Os Gases do Absurdo), o Slad Butelek (Armazém de Garrafas) e o Sen Pszczoky (O Sonho da Abelha). Mas há lugares novos a abrir todos os dias e o mais importante é que ainda está tudo a acontecer. Praga em Varsóvia é o Bairro Alto, o Soho ou o Marais antes de chegar a rotina. 


Teatro da memória

Há qualquer coisa que não bate certo, no centro histórico de Varsóvia. Tudo é igual ao que era antes da guerra, desde as muralhas medievais aos hotéis Arte Nova. A diferença é que não se vislumbram sinais de desgaste urbano e o conjunto inteiro parece ser a estrear. A sensação de artifício é, na verdade, plenamente justificada, quando nada ou quase é autêntico por estas bandas. A maior parte não passa de uma colossal encenação, admirável na mesma medida em que se revela insólita. Rebobinando, Adolf Hitler planeava converter Varsóvia numa cidade alemã, antes mesmo de ocupar a Polónia. Uma cidade "ideal" de 130 mil habitantes, eventualmente sem polacos. Na prática, o colapso de Varsóvia deu-se por etapas, primeiro com os bombardeamentos de 1939, em seguida com a demolição do gueto judeu, mas sobretudo durante e depois da Insurreição de Varsóvia de Agosto de 1944.

Quando os últimos focos de revolta foram abafados, 800 mil civis tinham sido mortos (60% dos residentes) e cerca de 85% da cidade desapareceu do mapa. O governo comunista pós-guerra tomou a decisão inédita de restaurar na íntegra e com toda a fidelidade o centro antigo de Varsóvia. A operação envolveu toda a cidade e empregou pinturas antigas e fotografias de época, de modo a assegurar o rigor da duplicação. Desde a praça do mercado, coração medieval da cidade, ao palácio real na sua mais lustrosa versão barroca, passando por uma mão cheia de igrejas góticas e mansões renascentistas, tudo foi reposto tal qual era - cuidando inclusive de juntar falsificações convincentes, onde antes não havia nada.

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