Fugas - Viagens

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    Auto-retrato: Mãe elefante e cria captados pelas câmaras automáticas do parque, sensíveis ao movimento Parque Nacional da Gorongosa

Gorongosa, lugar do silêncio

Por Ana Cristina Pereira

Dias de deslumbre no Parque Nacional da Gorongosa, que já foi palco de um dos mais sangrentos cenários de Moçambique. Populações inteiras de animais selvagens quase desapareceram. Agora, recupera o fulgor.

O homem magro, de testa enrugada, não largava a espingarda. Nem quando se encostava a um canto e apoiava a cabeça no braço direito. Dir-se-ia que se esforçava para manter os olhos abertos, mas não deixava de captar tudo o que se passava em volta. Também "vê" com os ouvidos e com o nariz. Mesmo noite cerrada, percebe a proximidade de uma manada de búfalos silenciosos.

Não é que Njinga desvalorize os riscos. É que conhece bem a fauna bravia do Parque Nacional da Gorongosa. Refugiou-se aqui da guerra civil de Moçambique. Comia raízes, frutos silvestres, carne de ratazana, cágado, inhala, piva, impala. "Não comia massa. Só coisas do mato. Tinha uma roupa caducada. As pessoas deitavam fora. A gente apanhava no rio, levava, cosia, punha. Só à frente. Atrás ficava sem nada."

Há qualquer coisa de esmagador numa extensa zona que a humanidade visita, mas não ocupa. É o "meio do nada". O lugar do silêncio, de quando em quando, cortado por um vozear estranho - o rosnar de um leão, o grasnar de uma águia, o bramir de uma impala, o mugir de um búfalo, o chorar de um crocodilo, o trombetear de um elefante, o grunhido de um porco do mato ou o guincho de um macaco.

Dispenso, de muitíssimo bom grado, o silvar de qualquer cobra e o zunido de qualquer mosquito. Fora isso, paz.

Saíramos cedo do acampamento sazonal montado no centro do parque. Era uma daquelas manhãs luminosas que abrem a estação seca. Do jipe, seguindo a picada, víramos cudo, pala-pala, inhala e outros antílopes que não fogem mas que se afastam ao ouvir o ronco do motor, como se quisessem salvaguardar as devidas distâncias do mais perigoso bicho. De súbito, leões a acasalar. Deixámo-nos estar, talvez uma hora, a observá-los.

Não sei como seria a Gorongosa antes de, "menino e moço", Njinga ter sido levado da palhota de seus pais e forçado a pegar numa arma. Posso ter uma ideia, por exemplo, lendo o que sobre ela escreveu, na sua Ronda de África, Henrique Galvão, em 1948: "Em todos os percursos [se podem] admirar as multidões de antílopes em corrida ou em alertas estatuários, as manadas portentosas de búfalos, as fugas destrambelhadas dos macacos, as galopadas das zebras - e, com frequência, levantar leões das suas camas, surpreender leopardos, ouvir os elefantes na sua faina de lenhadores e ver os hipopótamos em concentração que é decerto a mais densa e numerosa do mundo."

Naquele tempo, o extremo sul do Grande Vale do Rift Africano não era bem um éden de vida selvagem. A Gorongosa começou por ser uma reserva de caça de administradores da Companhia de Moçambique. Em 1941, finda a concessão, o Governo colonial tentou banir as caçadas e criar uma estância turística. Só em 1960 a declarou parque nacional. No final dos anos 1960, a equipa do ecologista sul-africano Kenneth Tinley fez a primeira contagem aérea: 200 leões, 2200 elefantes, 14 mil búfalos, 5500 bois-cavalos, três mil zebras, 3500 pivas, duas mil impalas, 3500 hipopótamos.

À Gorongosa vinha gente de muito lado. Não só pela quantidade de animais. Também pela beleza paisagística. José Maria d' Eça de Queiroz, neto do escritor maior, registou-a quando a visitou em 1964. "A Gorongosa é como o mar: sempre igual e sempre diferente. Existem centenas de mares no mar; na Gorongosa a estepe tem uma centena de estepes e a savana uma centena de savanas."

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