Normalmente chega à localidade mais importante de cada ilha e começa a caminhar para Este ou Oeste. Ao fim do dia, regressa de transporte ao sítio onde está alojado e, na manhã seguinte, retoma o caminho no ponto onde tinha ficado.Sempre a pé e sozinho, para “ir vivenciando o dia-a-dia” dos locais por onde passa, ao seu ritmo, parando quando e onde lhe apetece, sem pressas. “Procuro muito a cultura popular e isso nem sempre está lá à nossa espera. Passo numa determinada freguesia e não está lá o latoeiro ou o cantador que quero entrevistar. Eu espero”.
Em São Miguel, por exemplo, queria sair com uma campanha da pesca do atum, mas “teve de esperar alguns dias até o mar estar em condições” e “depois meteu-se uma viagem breve do mestre ao Continente”. Contudo, a espera acabou por compensar e pôde acompanhar o barco “Ponta dos Mosteiros” e os seus homens num dia de faina. “O mais impressionante é quando começa a pescaria: a vozearia dentro do barco, o esforço para puxar um atum de 160 quilos para dentro do convés. É tudo muito frenético. E é muito duro. Regressámos às 20h e no dia seguinte a tripulação voltava ao mar à mesma hora [3h]”.
São muitas as histórias de vida que vai encontrando e guardando em memória no blogue, no Café Portugal ou na revista Epicur: músicos, cantadores, poetas populares, antigos baleeiros, pescadores, agricultores e muitos artesãos cuja arte vive à beira da extinção. Em São Miguel encontrou um dos últimos albardeiros da ilha; em Santa Maria passou por uma família de antigos moleiros; na Terceira já só restam dois construtores de violas, o último latoeiro. “Caminho para encontrar essas pessoas, que são quem molda a nossa identidade e cultura”.
E por entre um encontro e outro, muito andarilho, muita paisagem. E muito suor. Até agora “o mais difícil” foi a humidade e o calor do Verão da Terceira e de São Jorge, numa meteorologia açoriana já de si de humores imprevisíveis, com chuva, vento e nevoeiro. Mas o esforço é geralmente recompensado por vistas idílicas e lugares surpreendentes. A “beleza lunar” do Algar do Carvão na Terceira, a “tranquilidade bucólica do interior de Santa Maria e a disposição espaçada das casas marienses entre o verde”. Em São Jorge, a Fajã dos Vimes, a Fajã dos Cubres e a Caldeira de Santo Cristo. “É provavelmente um dos locais mais mágicos que visitei até agora”.
Fica a dica: “De todas as fajãs de São Jorge, a da Caldeira é provavelmente a mais bonita e especial devido à envolvência muito verde, à lagoa, ao contraste entre o marulhar do mar e a calmaria da lagoa. As casas são em pedra e poucas, cercadas pela montanha muito verde e as nuvens estão sempre em movimento lá por cima. E por perto, na serra, há uma cascata imperdível”.
A viagem de Nuno Ferreira prossegue agora, com o caminhante a continuar a calcorrear o mundo de contrastes quase inalterados do arquipélago. E depois do continente e dos Açores, Madeira? Para já, Ferreira mantém-se “ainda muito embrenhado na travessia açoriana”, mas, entretanto, em entrevista a um jornal madeirense já avançou “que um dia gostava de fazer o mesmo na Madeira”.