“Rio Magdalena, que cruzas por tanto pueblo, pasas orgulloso, bajo el puente Pumarejo, Rio Magdalena, de mi Colombia querida, pasa por el puente, pa’unirnos pa’ to’ a la vida.” Se os Melódicos me ouvissem cantar, a esta hora, quando a manhã ainda preguiça, provavelmente encerrariam todas as portas desta metrópole para barrar a minha entrada. Barranquilla é a cidade da música, o traço mais forte da sua identidade, o admirável mundo do vallenato, da cumbia, do porro, da chalupa, do fandango, do bullerenge e não admira que o Carnaval, esse orgasmo colectivo que apenas é superado pelo do Rio de Janeiro, entre por todas as casas, alegrando ainda mais um povo que dá ideia de viver numa alegria eterna, capaz de contagiar mesmo o mais frio dos turistas.
O boneco empalhado, deitado sobre o alpendre, com uma perna e um braço pendendo para a rua, segurando na mão direita uma garrafa de cerveja Aguila e com três outras de bebidas espirituosas, todas vazias, a decorar a moldura ébria, assemelha-se a um prenúncio de desnorte e remete-me de novo para a minha realidade feita de angústias. Como um sonho bom que dá lugar a um pesadelo, volto a pensar na acreditação enquanto caminho ao longo das ruas de El Prado, com as suas vivendas sumptuosas e os seus jardins viçosos, num ambiente de uma tranquilidade ordeira, em contraste com tudo o que se ouve, lê ou vê sobre a Colômbia e sobre Barranquilla. Sob o fundo azul de cobalto do céu, os olhos divagando por todo o lado, pressinto o murmúrio de vozes e o esboço de sons festivos ainda antes de alcançar a Calle 76 e de me deixar envolver por aquele frenesim típico dos preparativos. Dirijo-me a alguém que está identificado como fazendo parte da organização, de pé do outro lado das barreiras metálicas:
- Tens de pedir uma credencial onde funciona o centro de imprensa.
As indicações que o homem me forneceu quanto à localização do espaço destinado aos media não deixavam lugar para dúvidas: perante aquele tumulto, vendo como o formigueiro humano crescia e enlouquecia, só mesmo um milagre me traria de volta a horas de assistir ao desfile. Bem próximo, o dono de uma barraca de bebidas alinhava cadeiras de plástico para quem pretendesse presenciar o evento, cobrando entre 70 e 170 pesos por cada lugar. Eu quedava-me por ali, pouco confortável para fotografar, quando um elemento da protecção civil, furioso, rompeu as barreiras e se dirigiu ao vendedor, numa altura em que algumas pessoas já se encontravam instaladas:
- As cadeiras têm de sair daqui já. Os pobres também têm direito a ver.
Senti que era a minha oportunidade. Ele ouviu-me com atenção pouco depois de dois caças terem sobrevoado os céus de Barranquilla. E, virando-se para um agente da polícia, deu ordens para eu transpor a barreira.
- Cuidem bem dele. É um estrangeiro.
O destinatário seguiu tão à letra a mensagem que um minuto depois estendia a protecção à minha pele:
- Toma! É melhor colocares um pouco de protector, De outro modo sais daqui como uma lagosta.