Um camião distribuía água entre a assistência que já se acomodava nas bancadas e eu começava a sentir os 32 graus, ainda o início da tarde se anunciava. E a sentir-me em casa numa cidade que desde tempos que a memória já não alcança se revelou hospitaleira e totalmente aberta ao mundo.
Cidade multicultural
“Mira en Barranquilla, se baila asi.” O cortejo assoma, a música enche a atmosfera, as bailarinas não desmentem Shakira e Shakira não mente: “Hips don’t lie.” A cantora colombiana, natural de Barranquilla (comemora hoje, sábado, 36 anos), baptizada com o nome sonante de Shakira Isabel Mebarak Ripoll, tem ascendência libanesa — os avós paternos deixaram o Líbano para rumar a Nova Iorque — e é apenas uma das muitas representantes do multiculturalismo que é, a par da música, um dos rasgos mais atractivos da cidade.
Fundada em 1629, Barranquilla apenas ganhou importância em meados do século XIX, graças ao potencial como porto da sua mais importante artéria fluvial. Nessa época, no entanto, enfrentava ainda sérios problemas de navegação no delta do Magdalena, levando os mercadores que subiam e desciam o rio a passar por Cartagena, utilizando o Canal do Dique, que se junta ao rio uma centena de quilómetros para lá da desembocadura. É já no final do mesmo século que o progresso chega verdadeiramente a Barranquilla, com a abertura do Puerto Colômbia, a 15 quilómetros do centro. A cidade garantia, finalmente, um estatuto sem paralelo como porto fluvial e marítimo, adquirindo ainda maior expressão no início do século XX, face ao incremento do comércio e ao aumento das exportações dos produtos locais, principalmente café, para diferentes destinos mundiais.
Os ecos do crescimento económico da então denominada Porta de Ouro da Colômbia não tardaram a atrair uma vaga de imigrantes das mais distintas proveniências, com especial incidência durante e após as duas guerras mundiais, conferindo à cidade uma dinâmica que fez dela pioneira na América Latina em diferentes áreas. Barranquilla, gozando já de um certo cosmopolitismo, orgulha-se de se ter convertido na primeira metrópole a contar com um hotel de luxo e foi também através dela que penetraram na Colômbia inventos como a rádio, o telefone e a aviação — na cidade foi construído o primeiro aeroporto e coube a Charles Lindbergh o acto heróico de inaugurar os céus colombianos a bordo de um intrépido aeroplano.
Com um chapéu multicolorido na cabeça, a pele enegrecida e uns lábios de um vermelho vivo, um dançarino fita a minha câmara enquanto agita o corpo a um ritmo frenético. O sol queima o asfalto e um homem desfalece entre a assistência eufórica perante a presença, mesmo ao meu lado, de Laura Acuña, apresentadora de televisão e vencedora de cinco concursos de beleza.
O corso avança, um longo dragão vermelho indica a presença da comunidade chinesa, um homem com uma farta cabeleira dá toques numa bola, tentando imitar o mais proeminente futebolista colombiano, Carlos Valderrama. Nas costas de dezenas de camisolas de um amarelo vivo está estampada a letras verdes uma frase que retrata na perfeição o carácter multiétnico dos curramberos (gentílico dos habitantes locais): Barranquilla, ciudad feliz. Declarado Património Cultural da Nação, em 2002, e Património Oral e Imaterial da Humanidade pela UNESCO, no ano seguinte, o Carnaval, mais do que uma festividade alegre, reflecte o espírito criativo das gentes das Caraíbas.