Todo um mundo novo se agita. Desde que lá em cima, no Norte, se descobriram reservas de gás e carvão, aterram cada vez mais estrangeiros no Aeroporto Internacional de Maputo. Outros sectores apanham boleia, como a construção, ou desenvolvem-se de modo autónomo, como o turismo.
No interior da estação, moçambicanos e estrangeiros ouvem música, conversam, tomam uma cerveja – Laurentina, homenagem ao antigo nome da cidade, ou 2M, homenagem a Mac-Mahon, que, enquanto presidente de França, em 1875, decidiu a favor de Portugal numa disputa com a Grã-Bretanha.
Obras recentes deram origem a uma galeria de arte e a um restaurante-café-bar, o Kampfumo. Ao fim-de-semana, concerto na plataforma da estação ou outras expressões artísticas. Ainda lá fui, na terceira viagem a Maputo, embalada pelo desejo de sentir essa nova forma de viver a cidade.
Durante o dia é um corre-corre. Durante o dia, milhares de pessoas entram no edifício falsamente atribuído a Gustave Eiffel e desaparecem num comboio. Poh, poh, poh. Umas dentro da fronteira, outras para cruzá-la em direcção ao Zimbabué, à Suazilândia, à África do Sul.
Fazer parte da cidade
Muita coisa mudou desde que Lourenço Marques se tornou Maputo, em Março de 1976. Desse tempo, intacta mesmo só estará a Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição, inaugurada em 1944 pelo cardeal Cerejeira. É da natureza das catedrais permanecerem intactas.
A escultura equestre de Mouzinho de Albuquerque, que estava no centro da praça homónima, faz parte da História arrumada no pátio central da fortaleza. O primeiro Presidente da República, Samora Machel, trocou Mouzinho de Albuquerque por uma fotografia sua e mudou o nome da praça para Independência.
Na Praça da Independência, domina a estátua de Samora Machel, gigantesca, à maneira soviética. Um marco da “revolução cultural” do líder independentista, vítima da queda de um avião ao regressar de uma reunião internacional em Lusaka, na Zâmbia, a 19 de Outubro de 1986.
O enfermeiro-presidente fez ali muitos discursos, inclusive o de 18 de Março de 1980, que o jornalista Carlos Cáceres Monteiro registou para o extinto O Jornal: “Em 25 de Setembro de 1964, declarámos guerra ao inimigo estrangeiro – o colonialismo português. Hoje, declaramos guerra ao inimigo interno. E vamos ‘limpá-lo’. Será limpo em toda a parte. Vamos varrer, ouviram bem?”
A minha mãe nunca regressou. Para ela, a cidade pertence a um tempo que ficou lá atrás. Irene regressa, regressa sempre. Não deixa de se sentir parte da cidade, apesar de todas as distâncias.
Gosta de ficar no requintado Polana Hotel, onde os seus pais tantas vezes mudaram de ano a dançar. A poucos minutos, está a igreja de Santo António da Polana, que o arquitecto Nuno Craveiro Lopes concebeu em forma de flor invertida e na qual os habitantes vêem um “espremedor de limões”.
Esta é ainda agora a mais nobre zona da cidade, morada do Presidente da República, Emílio Guebuza, de ministros, embaixadores, cônsules. Quando era rapariga, Irene costumava praticar atletismo por ali. Havia uma pista no Parque dos Continuadores, que antes se chamava José Cabral.