Fugas - Viagens

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Maputo, ontem e hoje

Já ninguém corre no Parque dos Continuadores. Cruzando a entrada, à sombra, estende-se um corredor de artesanato – vestidos, malas, carteiras, massalas, colares, brincos, anéis, chinelos, máscaras de mapiko, pinturas, batikes, estatuetas de pau-preto, esculturas de arame e missanga. 

Sim, muita coisa mudou desde que Lourenço Marques se tornou Maputo. Alguma coisa, porém, vai ao encontro da memória dos portugueses que aterram cada vez em maior número, a fugir à crise que grassa na Europa, à procura de oportunidades de negócios num país com uma economia a crescer acima dos 8%.

Hei-de contar à minha mãe que ainda se pode comprar capulanas, os coloridos tecidos que as mulheres usam, na Casa Elefante, na Baixa. E castanha de caju acabadinha de torrar – com sal ou com piri-piri, como aqui tanto se gosta – mesmo em frente, no renovado Mercado Municipal.

Cidade de avenidas, praças, jardins, prédios, parques, Maputo debate-se com sobrelotação, trânsito caótico, deficiente recolha de lixo. Cercam-na bairros de ruas irregulares ladeadas por casas com paredes de madeira ou adobe e cobertura de capim ou zinco. E, entre isso tudo, a vida corre, vibrante. O jazz avança pelo talento de músicos como Moreira Chonguiça. O hip-hop fá-lo através das rimas de Dama do Bling, Iveth ou Azagaia. No centro cultural Franco-Moçambicano, na Praça da Independência, sucedem-se programas bimensais, que incluem filmes e saraus. Em vários pontos da cidade, restaurantes portugueses testemunham uma ligação que permanece, apesar do tempo.

 

Para lá da cidade de cimento

Chamam-lhe “Mafalala Walking Tour”. É uma viagem a um dos lugares de gestação da nacionalidade moçambicana, terra de reuniões secretas, muito palmilhada pela poetisa Noémia de Sousa, pelo poeta José Craveirinha e pelos líderes independentistas Samora Machel e Joaquim Chissano.

O guia, Ivan Laranjeira, elege a avenida Marien Ngouabi como ponto de partida. Desenrola um mapa: “No século XX, os portugueses fizeram um plano de expansão. Pegaram num compasso e fizeram um arco, que passa pela avenida Marien Ngouabi. Num lado, as casas de cimento. Do outro, as casas de caniço. Os portugueses precisavam de força de trabalho e a força de trabalho não podia estar longe. Atrás da linha, ficavam os moçambicanos. Para passar, tinham de ter um passe.”

Na sua biografia, intitulada Vidas, Lugares e Tempos, Joaquim Chissano, que sucedeu a Samora Machel na presidência, dá detalhes sobre esses tempos: “O racismo em Moçambique, nos anos quarenta e cinquenta, era, quanto a mim, pior que o apartheid na África do Sul. A lei dizia que não havia segregação racial. Portugal era uno e indivisível, era inter-racial, etc. Mas tudo estava bem separado.” Foi o primeiro a entrar no Liceu Salazar, actual Escola Secundária Josina Machel.

O nome do bairro é uma deformação da palavra Li fa-la-la, uma dança dos macua, povo originário do Norte de Moçambique. “Era praticada nos tempos coloniais por pessoas provenientes da Ilha de Moçambique”, explica Ivan. “Quando as pessoas queriam referir este sítio em ronga, a língua tradicional de Maputo, diziam ka mafalala, ‘onde se dança m”falala’. Com o tempo, ficou Mafalala.”

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