Fugas - Viagens

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Maputo, ontem e hoje

José Craveirinha viveu na fronteira, a que chamava estrada da circunvalação. “Entre o Craveirinha e a Mafalala, a proximidade não é só física, persistindo uma relação mais funda: naquelas ruas de areia inscreve-se uma história da sociedade moçambicana que a sua poesia por vias diversas também quer contar”, lê-se num ensaio sobre o autor, assinado por Rita Chaves.

Prestava muita atenção à diversidade, que ainda hoje é uma marca do bairro, com 21 mil pessoas alojadas em casas de madeira e zinco. A língua oficial é o português, mas as famílias queixam-se da falta de emprego e da alta de preços numa das várias línguas bantu: tsonga, chope, tonga, sena, shona, nyungwe, chuwabo, macua, koti, lomwe, nyanja, yao, maconde e mwani.

Ivan conduz-nos pelas ruas estreitas, por vezes estreitíssimas. Quando chove, fica tudo alagado. Soltam-se as tampas das fossas. Circular torna-se penoso ou mesmo impossível. Hoje, está sol. Cheira a comida. Cozinha-se a carvão. E há miúdos a saltar à corda, mulheres a transportar água em bidons, homens a beber putso, uma aguardente de arroz e farinha compacta.

Pára numa rua que já foi morada de Noémia de Sousa, que apresenta como “a pioneira da literatura moçambicana”. Entre 1949 e 1952, escreveu dezenas de poemas. Deixou de o fazer quando foi enviada para Lisboa, mas a sua poesia continuou a ecoar como um grito contra a opressão. O seu caderno, policopiado, influenciou muitos outros a baterem-se pela libertação dos povos africanos.

É atrás desta memória colectiva que cada vez mais estrangeiros vêm ao bairro. No ano passado, a Associação Iverca - turismo, cultura e meio ambiente, criada por Ivan e dois colegas da Escola Superior de Economia e Gestão, guiou mais de 2500 pessoas. Entram ali como quem entra no Soweto, em Joanesburgo.

O tour inclui uma passagem pelas ruas que chegaram a ser de Samora Machel, Joaquim Chissano e Pascoal Mocumbi, mas Mafalala não é só política. Daqui saíram grandes jogadores de futebol, como Eusébio ou Hilário. Passámos em frente ao “campinho”, onde tantas vezes jogou o “Pantera Negra”. De lá parte a Rua Eusébio da Silva Ferreira, que percorremos, no encalço do grupo Tufo de Mafalala.

Homens tocam, sentados no chão, mulheres dançam, usando vestes coloridas, anéis, pulseiras e colares de metais preciosos, algumas com o rosto coberto com mukiro. Elas dizem-se muthianas horeras, que quer dizer “mulheres bonitas”. Muitas vezes, actuam em cerimónias oficiais. Vão mostrar a políticos vindos de outras paragens um pouco do que é ser moçambicano. Na certeza de que, para perceber Maputo, o melhor é vir até cá, onde termina a cidade de cimento, e andar por aí, por vezes agarrado à parede, e acabar a tomar uma Lourentina no bar do Lima, como nós. 

 

Mafalala Walking Tour
Sexta, sábado e domingo, 10h00
30 dólares
Contacto: Iverca
www.iverca.org
Tel.: 00 258 88 24 18 03 14/ 00 258 824151580

 

Um postal chamado Matemo

Os postais ganham vida no Parque Nacional das Quirimbas, no Norte de Moçambique, que o escritor Mia Couto chama “missangas de um precioso colar”.  

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