Nem tive tempo de cruzar as ruas de Pemba. Só vi, lá de cima, do avião ligeiro, o recorte da baía e os telhados de zinco a reluzir no alinhamento das ruas da cidade, que não tem parado de crescer desde que se descobriu gás natural. Destino: ilha de Matemo, Parque Nacional das Quirimbas.
Viajei com elevadíssimas expectativas até ao arquipélago das Quirimbas, conjunto de ilhas dispostas ao longo da costa, entre a foz do rio Rovuma, fronteira natural de Moçambique com a Tanzânia, e a baía da Quissanga, a 20 quilómetros de Pemba. Pudera. Já estivera na ilha de Moçambique, província de Nampula, e no santuário bravio de Vilanculos, província de Inhambane.
Na pista, aguardava o casal que gere o Matemo Island Resort, Jason e Karen, ele sul-africano, ela britânica nascida em Hong Kong. Nas suas mãos, bebidas de boas-vindas e toalhinhas enroladas, muito frescas, óptimas para livrarem recém-chegados de poeira e suor – estávamos na estação das chuvas, com a temperatura média a rondar os 31 graus no litoral de Moçambique.
Mia Couto tem toda a razão quando descreve as Quirimbas como “missangas de um precioso colar”. O postal inteiro está ali, como uma paisagem impossível: as águas cálidas, transparentes, azul-turquesa; a areia fina, quase branca; a sucessão de palmeiras; os chalés com banheira no interior, chuveiro no exterior, rede suspensa na varanda, a poucos passos do Índico.
Quis logo tirar os chinelos, sentir a areia nos pés. E avancei, pelo areal fora, com os meus companheiros de viagem, uma jornalista de Madrid e um jornalista de Barcelona. Sem esquecer que, estando a maré baixa, é necessário ter cuidado com as amêijoas navalha. Costumam estar perto das rochas, mas espalham-se tanto que podem aparecer na praia principal, avisara Karen.
De forte em forte
Todos os dias, a partir das 18h30, Renoir, o gerente de actividades, está no Karibu Bar / Lounge para ajudar a planificar o dia seguinte. Ao sabor de um cocktail, há que optar entre visitar uma povoação, ir à pesca, fazer esqui náutico, windsurf, canoagem, mergulho. O oceano guarda tartarugas, golfinhos, baleias, dugongos, moreias, raias, recifes de coral. “Tudo depende da maré e do tempo.”
Renoir pensara conduzir-nos até uma ilhota, a que chamam Rolas Arco-íris, a seis quilómetros dali, mas o mar estava mau para mergulhar; o dia seguinte estaria mais ainda. Melhor seria ir a Ibo, encruzilhada cultural de África, Ásia e Europa, que chegou a ser capital de província de Cabo Delgado.
Seguimos o conselho, claro. E, na manhã seguinte, Ângelo, o guia local, esperava por nós junto ao porto de Ibo.
Saltámos da lancha. Caminhámos uns minutos até uma árvore. Ângelo escolhera aquela sombra para fazer a sua introdução à história de Ibo, a maior das ilhas do arquipélago. “O negócio de escravos, ouro e marfim desenvolvia-se entre nativos e árabes desde 600 d.C. Em 1498, chegou o Vasco da Gama numa grande nau.”
No final do século XVIII, Ibo era um importante mercado de escravos, impulsionado pela procura francesa. Abolida a escravatura, principiou o declínio, que culminou com a transferência da administração da província de Cabo Delgado para Porto Amélia, actual Pemba, já no século XX.