Fugas - Viagens

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Maputo, ontem e hoje

Por Ana Cristina Pereira

A cidade ganhou novo fulgor, mas preserva a sua memória. Num jogo um tanto infantil, pode descobrir-se cruzando nomes de ontem e de hoje

Luso é nome de dancing club na Rua do Bagamoyo. E isso talvez diga muito mais sobre Maputo do que imagina quem passa pela artéria que desemboca na Estação de Caminhos-de-Ferro.

Quando Maputo se chamava Lourenço Marques, a Rua do Bagamoyo chamava-se Rua Araújo. Nela ferviam bares, cabarets, salas de jogo com anúncios de néon. Música e clientela transbordavam para os passeios. Com a independência, gira-discos silenciados, portas fechadas. Borga era coisa de reaccionário, pelos critérios da Frente de Libertação de Moçambique. A rua perdeu o nome do primeiro governador de Lourenço Marques e ganhou o nome de um lugar maior da guerrilha, o primeiro campo de treino do “homem novo”, na Tanzânia.

Na minha primeira ida a Maputo nem dei por aquela que é também conhecida por Rua do Pecado. Na segunda, a minha amiga Irene Grilo, da Into África Viagens e Safaris, levou-me lá, recomendando-me que lesse o texto “Deus, o negócio e o diabo”, publicado no The Delagoa Bay Blog.

Joaquim Araújo ergueu a primeira estrutura portuguesa no que era a Baía da Lagoa em 1782 – um forte, que desde então já teve várias paredes e que encerra agora o Museu de História Militar. Muito perto, levantou-se um aldeamento. Esta era uma das ruas, então chamada dos Mercadores.

Assim nasceu Lourenço Marques, reverência ao primeiro navegador português a fazer o reconhecimento da baía. Saída natural para o Transval, só podia ser cenário de internacionais disputas e intrigas.

Com a descoberta do ouro no Rand, isto era um entra-e-sai. Fez-se a linha de caminho-de-ferro e o porto marítimo. Multiplicaram-se comerciantes, exploradores e aventureiros, que se entregavam ao prazer na Rua Araújo. Transformou-se em capital da colónia – estatuto até então pertencente à Ilha de Moçambique.

Era para calar o puritanismo protestante de uns quantos ingleses e boers, defensores do apartheid, que o pai de Irene os conduzia até à Rua Araújo na década de 1970. Gostava de lhes mostrar como, fora da África do Sul e do seu regime de segregação racial, se divertiam alguns conterrâneos.

Absorvo estas “estórias” com uma alegria quase infantil. Permitem-me perceber memórias alheias e, sobretudo, esclarecer dúvidas maternas, o que, como se sabe, é muito importante para qualquer criatura. Não sei se vou impressionar a minha mãe com a Rua Araújo, mas suspeito que ela gostará de saber, por exemplo, que a antiga Pastelaria Scala, na esquina da Avenida 25 Setembro, outrora Avenida da República, encolheu  ou que o Café Continental, na outra esquina, foi remodelado.

A estação – projectada pelos arquitectos Alfredo Augusto Lisboa de Lima, Mário Veiga, Ferreira da Costa – é amiúde colocada entre as mais belas do mundo. Lá dentro, uma Ten Wheeler, locomotiva que percorria a linha Lourenço Marques/ Pretória, e uma Four Wheeler, que serviu a linha do Xai Xai.

Fotografias penduradas no tecto narram a história da estação. No verso, palavras de poetas moçambicanos. Xitimela, de Gulamo Khan, começa assim: “Neste xitimela nosso comboio da vida/que nos faz meninos de ontem/pensar hoje vamos não só à Manhiça/mais longe vamos meu amigo”.

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