Nem tudo o que vem à rede é peixe. Ou melhor, nem todos os peixes que picam a corrica contam para o concurso. Apanhar um peixe-porco, por exemplo, pode compensar no prato (no fim, os concorrentes levam o peixe para comer em casa) mas não no da balança, onde o resultado da pescaria é pesado ao final da noite. Para a prova contam a bicuda, a anchova, o peixe-serra, o lírio, o encharéu, o bonito, o wahoo e o atum. Este último é, na verdade, o primeiro na lista de desejos das pescadoras. Mas em 11 anos de prova, nenhum mordeu o isco.
“Apanhar um atum à linha pode dar duas ou três horas de trabalho, até conseguir trazê-lo para o barco, mas compensa”, diz Isabel Andrade, que este ano chegou a terra sem peixe. O atum pode significar o primeiro prémio — normalmente é o peixe mais pesado, e quem tiver mais peso ganha — ou o prémio de melhor exemplar. O recorde pertence a um atum de 92 quilos, apanhado há uns anos no corrico que é mais para os homens.
Apesar do mar bravo, quem sabe da poda arrisca. E para as concorrentes do barco Swordfish valeu a pena arriscar. O skipper, Eduardo Soares, levou-as até à costa Norte da ilha, mais desabrigada do vento. A seu favor tinha a experiência: é armador e tem 52 anos de mar, conhece-o como ninguém. “Andei dois anos na caça à baleia [a ilha tem uma forte tradição baleeira, que entrou em declínio nos anos de 1960], cheguei a caçar quatro num só dia.” Talvez até tenha caçado mais, mas a memória já não recua tanto. Tinha 15 anos. Hoje tem 66, a pele queimada pelo sol e um jeito sereno que contagia.
A contrastar com a experiência do comandante, está o amadorismo da tripulação. Mas, já o dissemos, uma boa pescaria também se faz de sorte. E Sandra Tavares teve muita quando uma anchova de 7,710 quilos (o segundo maior peixe capturado desde sempre na prova) mordeu a sua corrica. “A cana até se ia partindo”, conta esta empregada de limpezas que participa pela segunda vez no torneio. Demorou “cinco ou dez minutos” a puxar a anchova para bordo. Mal sabia que tinha acabado de ganhar a prova.
Santa Maria em festa
O corrico feminino é só mais uma das muitas festas que animam Santa Maria durante o Verão — e no Inverno os marienses (cerca de 5000 residentes) também não se aborrecem. Apesar de na outra ponta da ilha se festejar o Sagrado Coração de Jesus, na freguesia de Santa Bárbara mais de uma centena de pessoas foi ao porto ver a chegada das pescadoras, no sábado à noite.
O primeiro barco chegou às 22h. “Normalmente os primeiros não trazem quase nada”, avisara João Batista, presidente do CNSM. Os recipientes de plástico entregues aos concorrentes para depositarem o peixe foram chegando com bicudas. Duas, três, oito. Aqui e ali um peixe-porco. Peixes-serra. Muitos chegaram vazios. Algumas caras pouco animadas, outras enjoadas à custa dos balanços do barco, outras ainda em festa. A anchova de Sandra Tavares era a única.
A pesagem do peixe é feita à vista de todos. O resultado, que era provisório, passou a final quando foi cancelada a prova de domingo. Mesmo assim, não foi mau: no total, as pescadoras de Santa Maria apanharam 53 quilos de peixe. Ficaram longe do máximo de 197 quilos apanhados em 2011, mas “este ano há pouco peixe”, aventava João Batista ainda antes de a prova começar. Não se enganou. Seja como for, pelo menos para a equipa do Swordfish valeu a pena. A anchova, da última vez que falámos, ainda estava “na friza”, o termo mariense para congelador, herdado dos norte-americanos (em inglês, diz-se freezer) que estiveram na ilha a construir o aeroporto, na década de 1940. Entretanto, já deve ter dado para um bom jantar.