Depósito cheio. Pressão dos pneus verificada. Roda suplente na bagageira. Dois garrafões com cinco litros de água no banco de trás. Os 115 quilómetros de asfalto esburacado, terra batida, areia e lama assustam, mas a recompensa promete fazer esquecer as agruras do percurso entre a Catembe e a Ponta do Ouro, extremo austral de Moçambique, a dez quilómetros da fronteira com a África do Sul.
“Vale a pena o caminho”, reforça Fernando Costa, o português morador na Matola que cede o seu jipe para a aventura - “Só dá para ir em 4x4, nem pensem em ir num carrito normal.” Informações na Internet não há muitas. Em português são escassas, em inglês apontam para hotéis e pousadas, restaurantes, bares e uma praia de sonho. “Só lá indo é que se percebe como aquilo é bonito”, garante Fernando. E despede-se com um aperto de mão numa rua quase deserta da Matola, subúrbio residencial a menos de vinte quilómetros de Maputo.
Da capital moçambicana, do cais não muito longe da estação ferroviária, parte às meias horas um ferryboat da Transmaritima para a Catembe, a pequena localidade do outro lado da baía de Maputo. A ligação também pode ser feita por estrada (em direcção a Boane e, depois, ao sul), mas ganha-se tempo desta forma. Não chega a 300 meticais (pouco mais de sete euros) a travessia para dois adultos e um veículo todo-o-terreno. São cerca de vinte minutos de viagem e uma boa oportunidade para ver a cidade desde a Baía de Maputo. No regresso, à noite, o impacto será ainda maior.
A saída do barco é tranquila. À beira da estrada asfaltada há bancas de rua, gente com sacos às costas e trouxas na cabeça. As capulanas coloridas que envolvem os corpos das mulheres dão vida à multidão que se apressa para chegar ao ferry e cruzar para o outro lado. Ainda não são onze da manhã e o calor já deixa marcas de transpiração. No jipe com mais de dez anos o ar é condicionado pela velocidade a que se circula. As janelas variam entre abertas e fechadas, ao sabor da quantidade de veículos que surgem na direcção contrária e do pó que fazem saltar do piso. Não existem placas de sinalização e na cabeça só se repete o conselho de Fernando: “Quando saírem do barco, vão sempre em frente.”
Os primeiros dez quilómetros passam tão rapidamente quanto o alcatrão. As falhas na estrada passam a buracos e destes a crateras. Dos 70km/h depressa se passa para os cinquenta, trinta e vinte numa gincana para fugir à possibilidade de se partir um dos eixos. No banco de trás, as mochilas já estão cobertas por uma fina camada de pó. O espelho retrovisor confirma que também a cara já ganhou um tom de pele diferente. À sombra de uma árvore, dois polícias refugiam-se do sol, indiferentes ao pouco trânsito que circula.
Bela Vista é a localidade que serve de bússola. Está 40 quilómetros a sul de Catembe e cerca de 18 antes de Salamanga. O caminho é o correcto, até agora não há enganos. No mostrador do jipe, o indicador de temperatura do motor aconselha uma paragem sem desligar a máquina. É tempo de recorrer ao primeiro dos garrafões de água e matar a sede ao radiador. As “chapas” – carrinhas de nove lugares que substituem os transportes públicos – passam a uma velocidade que se julgaria impossível para a qualidade do caminho. Abrandam e do seu interior alguém pergunta se é preciso ajuda. Voltam à sua velocidade de cruzeiro enquanto a temperatura do todo-o-terreno regressa à normalidade. Salamanga já está bem perto e logo a seguir não há como falhar a entrada para a Reserva de Elefantes, hora e meia depois do desembarque do ferry.