Fugas - Viagens

Belém: Vamos comer o Pará

Por Alexandra Prado Coelho

Começámos com o açaí com peixe frito, tomámos o tacacá da dona Maria à hora do lanche, como convém, ficámos com a boca dormente do jambu, provámos maniçoba e, com o chef Thiago Castanho, descobrimos como essa despensa mágica que é o Pará mudou a forma como os brasileiros encaram a sua gastronomia.

Faltam ainda uns dez minutos para as cinco da tarde mas as cadeiras de plástico colocadas ao longo da parede na Avenida Nazaré, a principal de Belém, no estado brasileiro do Pará, já estão quase todas ocupadas. São sobretudo senhoras, por volta dos cinquenta, sessenta anos, que aguardam pacientemente, ao lado de uma banca de rua. Estamos no sítio certo, porque um cartaz confirma que é aqui o célebre Tacacá da Dona Maria.

À nossa frente, na avenida, decorre uma operação policial, com a polícia a fiscalizar todas as motos que passam, um espectáculo que mantém entretidos os clientes da dona Maria. Crianças saem do Colégio Nazaré, ali ao lado. Um miúdo faz uma birra porque quer um brinquedo que um vendedor ambulante expõe. A mãe tenta resistir à birra, diz que é muito caro, e, perante o choro que aumenta, resolve telefonar ao marido para perguntar o que fazer.

Nisto pára, ali mesmo no meio da confusão, uma carrinha. Do interior saltam várias pessoas que, atarefadíssimas, começam a tirar grandes panelas do interior. Cada um sabe exactamente qual a sua função. Uns começam a preparar a banca, estendem toalhas, abrem espaço, outros colocam as panelas e organizam as cuias, as pequenas cabaças escuras onde se serve o tacacá. Os clientes já se puseram de pé e fazem fila.

Tomar o tacacá como quem toma o chá das cinco é uma tradição no Pará, e o tacacá da dona Maria é uma instituição com mais de trinta anos de história, sempre aqui nesta grande avenida de Belém. Não é atracção turística, é de verdade mesmo. Depois de servidas, as pessoas voltam a sentar-se nas cadeiras brancas, sorvendo o caldo, feito de tucupi, um molho amarelo extraído da raiz da mandioca brava, cozido para eliminar o veneno e depois fermentado durante alguns dias, com jambu, uma erva que provoca uma ligeira sensação de anestesia na boca, goma de tapioca e camarões.

Primeira lição: açaí

Comer em Belém do Pará exige uma aprendizagem. Tudo começa com os nomes. Pacientemente, Cleber e Adriana, os nossos incansáveis guias nesta viagem, repetem vezes sem conta como se chama cada fruto, cada planta, cada parte da mandioca. Mas não há meio de decorarmos.

A nossa primeira lição, ainda antes do tacacá, é com algo que aparentemente — mas só aparentemente — nos é muito mais familiar: o açaí. Vamos então contar esta história de descoberta de sabores pela ordem em que a vivemos.

Acabámos de aterrar em Belém. É hora do almoço. Cleber espera-nos no aeroporto para nos levar até ao hotel e durante o caminho vai-nos explicando que aqui há a hora da chuva, e que esta pode acontecer de manhã ou à tarde, mas sempre mais ou menos a horas certas. Dura para aí uns vinte minutos, mas convém planearmos os nossos dias pensando nela: marcamos o encontro para antes ou depois da chuva?

Para já, não chove e vamos almoçar. Apanhamos Adriana no hotel e seguimos para o Lá Em Casa, restaurante que fica na Estação das Docas, antigo Porto de Belém, renovado em 2000. Pioneiro do trabalho que tem estado a ser feito em torno da gastronomia do Pará — e dos inúmeros produtos exóticos que fascinaram os mais famosos chefs brasileiros, a começar por Alex Atala, do DOM, em São Paulo, considerado o 6.º melhor restaurante do mundo e o 2.º melhor da América Latina na lista dos World’s 50 Best —, o Lá Em Casa é o sítio certo para ficarmos a conhecer os pratos mais emblemáticos da região.

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