Fugas - Viagens

  • Renato Cruz Santos
  • Renato Cruz Santos
  • Renato Cruz Santos
  • Renato Cruz Santos
  • Renato Cruz Santos
  • Renato Cruz Santos

Aqui há pastores. E artistas. E gente que quis voltar à aldeia

Por Ana Cristina Pereira

O tempo parece ter parado,a natureza dita o ritmo dos dias. Andámos a desbravar a serra. Partimos de Cinfães para descobrir toda uma região.

Desce a serra a pastora de rosto rosado, apoiada num bordão delgado, mas firme. Encostado ao peito traz um cabrito recém-nascido, embrulhado numa saca de serapilheira. As cabras e as ovelhas seguem à sua frente, vigiadas pelos cães, até à aldeia da Aveloso, que parece perdida na serra de Montemuro.

O rebanho é comunitário, a ida ao pasto rotativa. Quem mais gado tem, mais leva ao pasto. Chegando lá abaixo, à aldeia, cada bicho procura a sua porta. Qualquer coisa falhou hoje. Um pastor não dá com duas fêmeas. Há que subir à serra à procura delas. Estão grávidas as desaparecidas.

O tempo parece ter congelado nesta paisagem áspera. E é por isso mesmo que Ângelo Montenegro gosta de aqui trazer forasteiros. Trá-los cedo, a tempo de verem reunir os animais no interior da aldeia com ruas sujas de bosta. Podem ir atrás deles e do pastor, segui-los pela serra acima, observá-los.

Os forasteiros são bem-vindos, elevam a auto-estima do lugar, mas ninguém pára só para os aturar. Nesta aldeia, como noutras que pontuam esta paisagem de relevos vigorosos e vales profundos, a natureza é que vai ditando o ritmo dos dias. Cidália Duarte, nos seus 66 anos, que o diga.

De casa daquela mulher, que fuma o presunto como os antigos, saem umas 35 cabeças de gado. "Quase todos aqui têm gado. Agora pouco porque os velhos não podem e os novos quase todos fogem." Não falta trabalho. "Milho, feijão, batatas, cebolas, couves, planta-se tudo aqui. Os mimos todos! Muita terra de milho já fica de pasto porque não há quem a trabalhe!"

Acha ela que para aqui ninguém volta — "Só se houver uma crise muito grande que não possam viver nas cidades!" Mas há gente que regressa, seduzida por estas serras.

Ângelo regressou a Cinfães mal acabou o curso de desenho de construção civil no Porto. Já passaram tantos anos e ainda o fascinam estas serras que ora se animam com mantos de flores, ora se retraem com mantos de neve. Regista as variações com a sua câmara fotográfica. Mostra-as à filha.

Cinfães tem dois grandes traços: a Sul, a Serra de Montemuro, que atinge os 1382 metros de altitude, e a Norte o vale do Douro, verde, antes de ser vinhateiro.

Podíamos subir o Douro de barco. Apanhar o comboio em Mosteirô e ir até ao Pinhão ou até ao Tua. Andamos com Ângelo a desbravar a serra — que tem monumentos megalíticos, caminhos romanos, minas do volfrâmio. Há uns meses, era Verão, fizemos um piquenique numa aldeia desabitada — Levadas, em Castro Daire. Desta vez, é Primavera, fazemos o piquenique nas Portas de Montemuro.

Piquenique a sério, este. A comida veio num saco de pano colorido. Estendida uma toalha sobre as ervas, eis as pataniscas de bacalhau, o presunto serrano, o pão, as frutas… Imagine isso e os vestígios de um povoado fortificado da Idade do Ferro a separar a Beira Alta do Douro Litoral.

Sabe estas coisas todas a escultora Emília Viana, dona da Casa da Geada, na freguesia de Ferreiros de Tendais, unidade de turismo rural que também acolhe eventos culturais — cerâmica, escultura, pintura, literatura ou música. Diz ela que o Castro terá sido usado na época dos romanos e na reconquista cristã.

--%>