Fugas - Viagens

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Brasília é rock

Na Colina, tocam para nós a música Sede de Chuva (ver vídeo em www.publico.pt/). Habitantes descem dos seus apartamentos para ouvir – afinal é uma professora universitária que deu aulas a um deles, portanto o momento torna-se um reencontro cheio de entusiasmo. Vladimir faz agora de entrevistador e pergunta aos Móveis como é que vêem a Colina. André responde: estar aqui é entender quem são. “O brasiliense vive essa dúvida, e essa busca de identidade.”

Para os Móveis, o rock dos anos 1980 estava a surgir na altura em que eles nasceram. Começaram a tocar na adolescência, nos anos 1990, altura em que tiveram contacto com outras bandas: “A gente começa a partir dessa vontade de participar, mas existe sempre o resgate para os anos 1980; o rock dos anos 1980 faz parte do DNA do Brasil inteiro”, termina. Fabrício lembra ainda que estamos perto da UnB e que “a UnB é praticamente uma casa, porque todo o mundo estudou aqui”.

Apesar de terem começado a tocar quando eram adolescentes, foi na UnB que começaram a levar a coisa mais a sério. Lembra Fabrício: “A gente respirava UnB” – o edifício foi projectado por Oscar Niemeyer, e o projecto foi idealizado pelo antropólogo Darcy Ribeiro e pelo educador Anísio Teixeira.

Convergência de culturas
Património Mundial da UNESCO, a cidade projectada pelos arquitectos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer para ter 600 mil pessoas em 2000 tem hoje cerca de 2,5 milhões de habitantes. É mais do que uma cidade-museu, com o seu Plano Piloto e a sua estrutura altamente organizada e arrumada, como um avião, ou uma cruz ou uma borboleta, como prefere Lúcio Costa – aqui a esplanada dos ministérios, onde ficam os edifícios governamentais, o Congresso, o Supremo Tribunal Federal, ali a área dos hotéis, a área dos bancos, mais à frente as zonas residenciais Asa Sul e Asa Norte.

É junto à esplanada dos ministérios que fazemos a paragem seguinte, para um flashback mais próximo ao presente. Estamos no passeio da passarela que une a Asa Sul à Asa Norte, praticamente em cima da rodoviária de Brasília. Lá em baixo, em 2008, um milhão de pessoas foram ao show do Capital Inicial, e repetiram o refrão da letra criada por Renato Russo, Que País É Este?, uma das músicas mais politizadas da época (escrita em 1978, só veio a ser editada 10 anos depois), gritando a resposta “é a porra do Brasil”, “é a porra do Brasil”, lembra-se Vladimir Carvalho.  “Assistimos todos boquiabertos” a esse momento, continua.

“Você olha para Brasília e nota o génio que foi Nieyemer”, diz Vladimir Carvalho. Fazendo a associação entre a música e arquitectura, acrescenta que “Brasília foi o ventre, o lugar de onde isso [o rock] surgiu”: “Não é à toa que o Dinho [vocalista dos Capital Inicial] diz que se sentiu dentro de um cenário que era obra de um dos maiores arquitectos do mundo. Oscar tinha essa coisa de ser avançado no tempo como o rock de Brasília foi em relação à própria música brasileira.”

Um rock diferente do rock influenciado pelo punk de São Paulo, “que surgiu mais das camadas menos favorecidas, da periferia”, ao passo “que em Brasília o punk é uma atitude bastante intelectual, de cabeça, inclusive porque eles viajaram ao exterior”, considera Vladimir. “Eles sabiam que aqui viviam numa grande maquete, numa obra de arte.”

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