Fugas - Viagens

Brasília é rock

Por Joana Gorjão Henriques (texto) e Vera Moutinho (fotos)

Cidade do poder, cidade de Oscar Niemeyer, Brasília tem sido conhecida pelo circuito da política e da arquitectura. Mas é mais do que isso: é também rock. Um realizador que filmou os Legião Urbana e um músico da nova geração traçam-nos um percurso que prova isso mesmo: Brasília é rock. Joana Gorjão Henriques (texto) e Vera Moutinho (fotos)

O bairro é como qualquer bairro em Brasília, talvez tenha mais espaços verdes, mas a estrutura dos prédios – em blocos, elevados – segue o protótipo geral que se vê ao longo da cidade. Só que o bairro não é um bairro qualquer, é a Colina, na Asa Norte, perto da Universidade de Brasília (UnB), um dos chamados berços do rock brasileiro. Por isso o realizador Vladimir Carvalho, autor do documentário Rock Brasília: a era de Ouro (2011), faz ali uma das primeiras paragens do nosso roteiro à cidade do rock. “Aqui na Colina foi onde se deu um encontro da rapaziada que seria conhecida como os que fizeram o rock brasileiro”, diz, junto a um dos prédios onde terão morado alguns deles.

Entre finais dos anos 1970 e início dos anos 1980, ainda o Brasil vivia em ditadura, era aqui que se reunia a turma da Colina, onde estavam nomes como Renato Russo, André Petrorius (filho de diplomata da África do Sul) e Felipe Lemos (filho de um professor que tinha estado em Inglaterra). Foi assim que nasceram grupos como Aborto Elétrico, a génese de Legião Urbana e Capital Inicial. “Isto era o bairro dos professores”, retoma Vladimir, apontando para os edifícios. “Aos fins-de-semana movimentava-se muito dessa rapaziada com seus instrumentos, suas guitarras, mas de uma forma muito inocente, sem nenhuma pretensão. Depois é que se descobriram como pessoas que podiam fazer esse tipo de música, inclusive porque viajavam ao exterior – se demorando por algum tempo no exterior onde assimilaram uma cultura punk. Viajaram a Inglaterra, alguns moraram lá, e isso teve uma influência muito grande: traziam os seus discos, os seus instrumentos e revistas do pop inglês.”

Na Asa Sul, a vários quilómetros daqui – de carro serão uns 20 minutos – havia outro bairro que se iria tornar famoso: o bairro dos diplomatas (que na verdade em “brasiliês” não se chama bairro, mas quadra). “Um subterrâneo invisível ligava a 104 Sul à Colina”, descreve o realizador. Também os filhos de diplomatas eram viajados e “terminaram se encontrando em Brasília”, juntando-se pela música. “A Colina é marcante por conta desse encontro e por se terem formado essas bandas. Foi decisiva a existência desse lugar, de convivência de professores com suas famílias e seus filhos, como foi importante a quadra 104 Sul, onde os diplomatas moravam com suas famílias e seus filhos. Lá morava o Renato Russo, que foi a cabeça desse movimento: uma cabeça privilegiada, superdotada, um letrista excepcional, talvez o maior poeta do rock brasileiro.”

Dos Legião Urbana aos Móveis Coloniais de Acaju, Brasília viu assim nascer várias bandas de música. Se há alguma coisa que faz parte da identidade cultural de uma cidade criada de raiz e inaugurada em 1960, ela será o rock. Nisto acreditam Vladimir Carvalho, 79 anos, e Fabrício Ofuji, 32, produtor e 10.º elemento da banda Móveis Coloniais de Acaju, formada em 1998 a olhar para grupos como os Legião Urbana.

Por isso chegam agora à Colina Fabrício Ofuji e o vocalista André Gonzales, juntando-se a Vladimir. Os Móveis Coloniais, autores dos álbuns Idem (2005), C_mpl_te (2008) e De lá até aqui (2013), acabam de lançar um documentário, Mobília em Casa, que é uma homenagem a Brasília e uma tentativa de desmistificar, para os próprios brasileiros, a ideia de que a cidade é só poder político. Ela tem “uma vida cultural, uma vida própria”.

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