Fugas - Viagens

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A Tunísia quer voltar a ser cenário de Hollywood

Estamos no final do dia e a hora não é a ideal. Os mosquitos atacam a torto e a direito, não poupam mãos, pescoços, calcanhares, não poupam nenhum pedaço de pele que encontrem descuidado. Mas os olhos de Moncef a brilhar no lusco-fusco chegam para nem sentir as picadas (só horas mais tarde teremos consciência de quantas foram, aliás, nunca teremos porque já será tarde para as contabilizar, perceber onde uma começa e outra acaba). Chegam os olhos de Moncef e as suas mãos, a segurar a planta macho e a planta fêmea, a explicar em pormenor como tudo acontece. E como cada palmeira tem mais de cem anos e como tantas chegam aos 25 metros.

Como em cada uma há tantas camadas, não são só as secções do tronco que marcam o passar dos anos, é este facto extraordinário que é de cada uma nascerem outras, árvores, flores, ervas, novas vidas. Numa palmeira (e a tamareira é a espécie mais comum) há mais vida do que a sua própria vida, há uma zona a partir da qual crescem árvores que dão flor (crescem mesmo, saem dela e crescem, para os lados), e outra, mais abaixo, de onde surgem ervas aromáticas. Sim, tudo isto é uma tamareira e nós, até agora convencidos que o milagre eram mesmo as tâmaras, cada uma das delas.

Também há as folhas, símbolo de resistência, vida, fertilidade, com direito a 18 referências no Corão, o livro sagrado dos muçulmanos. As folhas que alguém irá transformar em cestos e peças de mobília. As folhas (e os troncos) que são sombra, essa raridade essencial à sobrevivência no deserto. As palmeiras, tamareiras, foram as primeiras plantas cultivadas, têm 75 milhões de anos e o ser humano percebeu que precisava delas antes de perceber que precisava das oliveiras. As técnicas de cultivo, a poligamia gritante, tudo se tornou óbvio muito depressa. De tal forma que o método de cultivo pouco mudou nos últimos… 6000 anos — quando esta árvore começou a ser polinizada artificialmente na Mesopotâmia.

Ah, e depois há a tâmara, com os seus 250 tipos diferentes, 150 dos quais se encontram na Tunísia, país onde 10% da população vive directa ou indirectamente das tamareiras. As tâmaras são 16% das exportações, as melhores seguem para a Europa, e sobre isto não há dúvidas. Chama-se deglet-noor (“a translúcida”, ou “tâmara da luz”) e comemos deglet-noor em quantidade mais do que suficiente para poder confirmar sem hesitações o que nos dizem em Tozeur. Ah, e depois há tudo o que os tunisinos entretanto aprenderam a fazer a partir das tâmaras e da sua seiva, a solo ou em misturas infinitas: geleias (com limão, chocolate, morangos, menta…), xaropes (os tunisinos que imigraram para o Canadá deram uma ajuda, descobriram por lá um xarope de ácer para pôr nas panquecas e regressaram dispostos a experimentar a receita a partir das tâmaras e Moncef garante que este xarope está a ser um sucesso). Ainda há os cremes, bons para todo o tipo de maleitas de pele e ossos.

Nesta altura, já provámos todas as variantes, visitámos o museu da história das tamareiras pela mão de Moncef, respirámos o odor de cada árvore e de cada árvore de flores a que cada tamareira dá vida e de cada erva de cheiro… E sim, estamos prontos a acreditar em tudo o que Moncef nos diga. Logo nós, que partimos dispostos a descobrir — sempre e ainda mais — a tâmara sem ninguém nos ter avisado que a tâmara, que para nós já era tudo, é afinal, tanto, mas tanto mais.

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