Fugas - Viagens

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A Tunísia quer voltar a ser cenário de Hollywood

Por Sofia Lorena

O Paciente Inglês, Indiana Jones e os Salteadores da Arca Perdida, A Vida de Brian e cinco dos seis filmes da saga Guerra das Estrelas. O que têm em comum? Um país de beleza rara com muito mais para oferecer do que praias, souqs e hotéis “tudo incluído”.

A nova Tunísia quer resultar, tanto, em tudo. A Tunísia de antes não fazia sentido sem turistas. A de agora muito menos. Há turistas e há turistas; há turismo e há turismo. Há charters e autocarros à espera que nos levam a uma praia de onde não queremos sair. Essa praia pode ter uma cidade ali por perto onde ir jantar ou beber um copo. Uma aldeia de pescadores para visitar. Há uma história de camadas sem fim, gregos, romanos, fenícios, berberes, árabes… Há a História e muitas, muitas histórias, como a história do cinema.

A Tunísia de Ben Ali, da ditadura, dos tunisinos que não se queixavam, de tantos tunisinos que não mostravam ser quem eram, resultava para o turismo. As agências gostavam, os ministérios dos Negócios Estrangeiros dos países ocidentais também e a nenhum lhe ocorreria desaconselhar a viagem. A Tunísia inventada e imposta pelo ditador (dois, na verdade, primeiro Habib Bourguiba, de 1957 a 1878; a seguir, Ben Ali) funcionava. Havia resorts e mais resorts, o que não falta são praias de areia branca e água translúcida. Os pacotes podiam incluir uma noite ou duas numa cidade, Sousse, Hammamet, com menos frequência Kairouan, passavam muitas vezes por Tunes, a capital da Avenida Bourguiba e do souq que nunca chega a ser demasiado caótico, pelo pátio de uma ou outra mesquita, por uma cisterna, alguns banhos romanos, enfim, um passeio de barco ou uma excursão ao Sara até. Os turistas gostavam e muitos tunisinos também. Aqueles que conseguiam ganhar alguma coisa.

A nova Tunísia é como a outra, só que é muito mais, tanto que arriscamos a loucura de propor uma viagem quase sem praias ou pores do sol perfeitos com cocktails coloridos e sombrinhas de papel. Só que também tem pores do sol perfeitos e amanheceres de cortar a respiração para experimentar com ou sem copo na mão. Sumos de todas as frutas, vinhos bons e locais, licores de tâmara, cerveja ou bebidas brancas, nunca faltam opções bebíveis na Tunísia. Comida da boa, picante, fresca, peixe, carne, folhados recheados de ovos e pimentos, misturas do Mediterrâneo, doces de perder a cabeça, a Tunísia tem disto em todo o lado. Tem é muito mais do que isto, e muito mais do que praias e souqs onde comprar lenços ou cerâmica, malas e sapatos de pele ou especiarias.

A velha Tunísia foi muitas vezes cenário de Hollywood. A nova nem por isso. Nunca se sabe como é que uma revolução pode afectar uma produção. Imagine-se George Lucas, J.J. Abrams ou Anthony Minghella, mais 300 ou 500 pessoas, cenários, gruas, camiões e camiões de guarda-roupa, luzes e rolos e rolos de fio, câmaras, robots e um PREC. Bem, já para não falar de Harrison Ford, Juliette Binoche ou Charlton Heston. Nunca se sabe, certo?

A Tunísia da ditadura era um belo cenário de Hollywood, sempre foi. Porque a Tunísia tem tudo. E tudo é mesmo tudo. Desertos de areia, de pedra, lagos de sal, montanhas e desfiladeiros daqueles que parecem desenhados às ordens do mais perfeccionista e endoidecido realizador, casas trogloditas, ilhas maiores e mais pequenas, flamingos cor-de-rosa perfeito, espaço a perder de vista, uma lua que às vezes parecem duas, todo o sol que se quiser, espaço suficiente para fazer nascer planetas, imagine-se. Como Tatooine, só para dar um exemplo. Gente acolhedora, disposta a dar tudo para bem receber. A nova Tunísia, a da revolução de Janeiro de 2011, a única das revoltas árabes que está mesmo a resultar, que ainda pode ser um sucesso, tem isto tudo e ainda tem pessoas mais felizes do que antes. E gente infeliz, sem trabalho, sem esperança. Mas muita, muita gente a querer ser ela própria e a querer viver melhor e sem medo. A pedir para nós querermos gostar desta nova Tunísia, mais livre, de boca disposta a queixar-se e a perguntar, de braços ainda mais abertos. Braços que já não mentem. Basta nós querermos ouvir e abrir bem os olhos. Nós ou Hollywood.

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