Fugas - Viagens

  • Adriano Miranda
  • Declarada Reserva Natural e Património da Humanidade pela UNESCO desde Janeiro de 1986, Sian Ka’an espraia-se ao longo de 528.147 hectares na Península de Iucatão
    Declarada Reserva Natural e Património da Humanidade pela UNESCO desde Janeiro de 1986, Sian Ka’an espraia-se ao longo de 528.147 hectares na Península de Iucatão Ireneu Teixeira
  • Declarada Reserva Natural e Património da Humanidade pela UNESCO desde Janeiro de 1986, Sian Ka’an espraia-se ao longo de 528.147 hectares na Península de Iucatão
    Declarada Reserva Natural e Património da Humanidade pela UNESCO desde Janeiro de 1986, Sian Ka’an espraia-se ao longo de 528.147 hectares na Península de Iucatão Ireneu Teixeira
  • A zona arqueológica de Tulum é uma das mais procuradas para encontrar os vestígios da civilização maia
    A zona arqueológica de Tulum é uma das mais procuradas para encontrar os vestígios da civilização maia Ireneu Teixeira

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O lugar onde nasce o céu

Avisto um ponto negro, veloz como uma seta. Um lustroso puma de olhos em fogo segue, sôfrego, na peugada de um desventurado tapir. Fico em êxtase mas depois de esfregar os olhos só me resta atentar num grupo de excursionistas que se abeira do lugar, de sombrinhas coloridas nas mãos. O calor provoca-me alucinações e a desidratação fere o discernimento. Lembro-me do Jorge, o homem tatuado que me remete aos seus antepassados. Fixo o olhar para lá da vegetação mas não distingo Sian Ka’an. Retiro o papel amachucado do bolso lateral dos calções empoeirados. Releio o contacto, o endereço e todas as coordenadas. “Sian Ka’an, o lugar onde nasce o céu”. Persuadido, desci a íngreme e precária escadaria com o auxílio de uma bendita corda, colocada para os menos destemidos, como eu.

Resisti ao convite de uma legião de “bicitaxistas”, uma espécie de triciclo de tracção humana para transportar os mais comodistas, numa passeata pelos arrabaldes, e voltei à base depois de percorrer o templo das igrejas, onde sobressai nova imponente pirâmide, esta de escalada interdita, e pelo campo do jogo da bola, um dos ex-líbris da região.

Aula de ecologia

A luz amarelada alvitra nova aurora. Ao som embirrento do despertador segue-se um segundo aviso sonoro: é uma sms do Jorge. “Señor, pasamos allí a las siete en punto. Hasta ahora”. Em menos de nada já estou postado na rua de terra corada, calcinada pelo sol, em frente à hospedagem de cariz familiar, aguardando pelo transporte que me levará ao paraíso que me aprisionaram no subconsciente. Escuto o ronco de um motor rouco, dirijo o olhar para a curva à esquerda de onde surge um histórico Willy, ainda que numa versão modernizada. Mas, para mim, está de bom tamanho. Ao volante, o sorridente Miguel, de bigode à Errol Flynn e óculos escuros — Jorge aguardava-me em Cesiak, a uma curta mas demorada distância, porém, tremendamente prazenteira. Até as crateras lunares da estrada conferem emoção ao percurso, remetendo-nos para um mundo longínquo, inacessível às tecnologias humanas. Os cerca de 15 quilómetros percorrem-se entre o mar esmeralda, à esquerda, e o verde da floresta tropical, à direita. Tudo o resto é um manto de pó branco.

Agradecido à brisa fresca que sopra do mar à distância de um esticar de braço, estou aprumado para as actividades educacionais contratadas, leia-se de calção de banho, t-shirt — o melhor protector solar nestas latitudes —, boné com pala, óculos de sol e máquina fotográfica. Miguel será, afinal, o meu companheiro de aventura, porque Jorge teve de deslocar-se à civilização, ou seja, a Playa del Carmen, a mais de 75kms de estrada, para tratar de assuntos relacionados com a actividade do Centro. Miguel pergunta-me se um jovem casal britânico pode juntar-se a nós. Os londrinos Sally e Gareth surgem, tímidos, da cabana onde pernoitaram. O chamado tour canal é o pontapé de saída para as visitas. Situado entre duas águas, a do mar das Caraíbas e a da lagoa Campechen, o Centro Ecológico de Cesiak tem uma localização abençoada. O percurso começa por lancha, através de canais naturais formados por muitos anos de fluxo contínuo de água fresca. Miguel é um autêntico biólogo encartado, falando longamente sobre tudo o que vê e mexe. Informa, num inglês perfeito, que os motores das embarcações são ecológicos evitando, desse modo, qualquer dano ao ecossistema. Guia especializado há cerca de uma década, Miguel dá outra dimensão a uma beleza natural de tirar o fôlego por entre manguezais onde sobressai o vermelho, preto, cinza e branco, que abrigam espécies naturais únicas. Ao contrário da maioria dos mangues, estes são de água translúcida, igualmente repletos de vida entre as suas raízes e troncos de plantas epífitas, como musgo, líquenes, samambaias ou orquídeas.

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