O pequeno grupo de turistas está encavalitado na muralha fernandina, a que se acede através de uma porta na parede da Igreja do Mosteiro de Santa Clara, e vê um Porto que passa ao lado da maior parte dos visitantes. A guia sorri, ao ver passar Germano Silva, no seu passo certeiro, longe de apontar para os 82 anos do jornalista e cronista da cidade. Ele cumprimenta-a. Já se conhecem de se cruzarem de outras andanças. Ela ganha a vida a mostrar o Porto aos turistas, ele fá-lo por gozo, voluntariamente, por amor.
Ela poderá olhar para lá da Ponte Luís I, do metro, do casario do centro histórico, e indicar que, lá ao longe, num recanto que já não se vê dali, ficam as ruínas do Convento da Madre de Deus de Monchique, cenário final do romance Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, e construído no século XVI por ordem de um casal rico — D. Pedro da Cunha Coutinho e a esposa, D. Beatriz de Vilhena —, após uma promessa. Mas se for Germano Silva a falar-lhe de Monchique, ele vai contar-lhe outra história. “Havia um barqueiro que ia tocar madrigais às freiras e a madre abadessa fez queixa à polícia. Foi o Amândio Barros [historiador] que me falou nisto. E a queixa existe mesmo. O homem defendeu-se, dizendo que ela tinha era ciúmes, porque ele antes costumava cantar para ela.”
Germano Silva conta este Porto que vê, de certeza, com uns olhos diferentes dos nossos, sempre com um sorriso no rosto. Ali, na muralha fernandina, os turistas aglomeram-se no ponto mais alto, tentando abarcar todo o rio Douro que corre, lá em baixo, para a esquerda e a direita, sob um céu azul limpo. Mas Germano já nos está a contar outra história. “Diz-se que a primeira comunicação telegráfica sem fios foi feita aqui”, desfia, já depois de ter apontado as laranjeiras e limoeiros aos nossos pés, plantados pelas freiras do antigo Mosteiro de Santa Clara. “Havia aqui uma freira que mandava os doces de Santa Clara aos frades Agostinhos [do Mosteiro da Serra do Pilar, do outro lado do rio]. A cesta levava uma pomba e, quando os doces chegavam, os frades soltavam-na, com um recado amarrado na pata e ela regressava aqui, com a mensagem”, conta.
Descemos a muralha, deixamos para trás a fonte que, como nos conta Germano, costumava estar no claustro do mosteiro, antes de ser transferida para as traseiras do edifício, cruzamos o pátio que nos poderia levar ao interior da igreja, não estivesse ela fechada, e estamos de novo no Largo do Primeiro de Dezembro, onde o nosso passeio devia ter começado. É que é aqui que começa um dos sete percursos a pé que Germano Silva incluiu no livro Caminhar pelo Porto, editado em Junho pela Porto Editora. O livro que o jornalista “sempre quis escrever”, como revela na apresentação da obra.
A ideia surgiu dos passeios pela cidade que Germano Silva orienta, no último domingo de cada mês, e que têm cativado cada vez mais entusiastas. “As pessoas pediam-me, diziam-me: ‘E se eu não puder ir, mas quiser fazer o percurso depois, não há um guia que me oriente?’” , conta. Agora há. Da Praça da Liberdade a São Bento, da Batalha à Ribeira, do Infante ao Passeio Alegre, do Passeio Alegre à Praia do Ourigo, de Soares dos Reis ao Bolhão, de Carlos Alberto à Igreja de Cedofeita e de Santa Clara ao Prado do Repouso (o percurso que Germano escolheu para a Fugas), fica-se a ver um pouco do Porto que o jornalista vê quando percorre estas zonas da cidade.