Fugas - Viagens

  • Um castanheiro com mais de 150 anos é um símbolo vivo frente à casa
    Um castanheiro com mais de 150 anos é um símbolo vivo frente à casa Jerry Lampen/Reuters
  • Anne Frank, Amesterdão, 1935
    Anne Frank, Amesterdão, 1935 Reuters/AnneFrank House
  • Um visitante observa páginas do diário de Anne na Casa Anne Frank
    Um visitante observa páginas do diário de Anne na Casa Anne Frank Cris Toala Olivares/Reuters
  • Casa Anne Frank
    Casa Anne Frank Evert Elzinga/AFP
  • Casa Anne Frank
    Casa Anne Frank Michael Kooren/Reuters

Continuação: página 4 de 6

Da casa de Anne Frank via-se um castanheiro

A visita começa. Não damos logo com o anexo nem com o espírito daquela que escreveu em Março de 1944: “Quando penso na minha vida em 1942, parece-me tudo muito irreal. A Anne Frank que gozava dessa existência divinal era completamente diferente daquela que ganhou experiência dentro destas paredes. Sim, era uma vida divinal. Cinco admiradores em cada esquina, vinte e tal amigos, a preferida da maioria dos professores, estragada de mimos pelo Papá e pela Mamã, sacos de doces e uma grande mesada. Que mais poderia alguém desejar?”.

A outra, aquela em que a experiência do anexo a transformou: “Estávamos todos de água na boca. Nós, que não comemos nada a não ser duas colheres de cereais quentes ao pequeno-almoço e estamos absolutamente esfomeados; nós, que não comemos outra coisa a não ser espinafres meio crus (por causa das vitaminas!) e batatas podres, dia após dia; Se Miep nos tivesse levado à festa, teríamos arrebatado tudo o que estivesse à vista, incluindo a mobília. Estávamos reunidos à volta dela como se nunca, em toda a nossa vida, tivéssemos ouvido falar de comida deliciosa ou pessoas elegantes! E somos nós as netas de um distinto milionário. O mundo é um lugar de doidos!”.

[Ao leitor: este último excerto não é reproduzido integralmente, a selecção e justaposição de frases é minha.]

Antes mesmo de entrar no anexo, há frases de Anne escritas nas paredes. São uma forma de preparação. “Um dia esta guerra terrível terminará. Chegará à altura em que seremos novamente pessoas, e não apenas judeus!” “Sei o que quero, tenho um objectivo, tenho opiniões, uma religião e amor. Se pudesse ser apenas eu própria, estaria satisfeita. Sei que sou uma mulher, uma mulher com força interior e muita coragem.”

Passam micro-filmes contextualizadores. Há fotografias que nos sintonizam com a voz interior de Anne, a voz que conhecemos do diário. Aquele é o espaço de que ela fala. Aquela é a menina que escreveu o que lemos. E novamente excertos do diário.

Este sítio onde estamos, e que não é ainda o anexo, é o armazém e o escritório da Companhia Opekta, uma empresa de produtos usados no fabrico de compotas que pertencia ao pai de Anne. De entre as pessoas que trabalhavam na empresa, apenas quatro sabiam do esconderijo e prestavam apoio aos oito moradores (correndo por isso risco de vida, uma vez que o auxílio a judeus era proibido). Os seus nomes: Miep Gies-Santrouschitz, Jo Kleiman, Victor Kugler, Bep Voskuijl. Todos os outros desconheciam a existência do esconderijo, o que só era possível dada a estrutura irregular do edifício.

Como é que os habitantes da casa passaram os 761 dias em que viveram clandestinos? Uma boa parte do dia em silêncio, sem luz natural. A ler, estudar, conversar, ouvir a BBC e seguir o movimento das tropas, pensar no que fariam no fim da guerra, espreitar o céu no sótão (o único compartimento onde havia uma janela e era possível respirar ar fresco), fazer a vida de casa (limpar, cozinhar). A escrever (que seria de Anne sem o diário?) A não usar o autoclismo entre as oito e as nove horas da manhã (apenas um empregado estava a essa hora e seria suspeito ouvir o barulho da descarga). A andar com pés de lã até às seis da tarde (quando os empregados despegavam e se cantava liberdade no anexo). A não discutir, a quase não falar, até às seis da tarde. A não correr riscos.

--%>